quinta-feira

'Chapeuzinho Vermelho' aos 40.



Hoje foi o último dia do curso de 'Contos de Fadas' com a Luiza Lameirão. Além de ser uma pessoa iluminada, com uma delicadeza incrível é com certeza, uma fada. Quando conta um conto, muita coisa acontece. E foi assim...
Foram três semanas trabalhando em 'Chapeuzinho Vermelho'. Nada mais tão necessário para nossos dias de hoje, com o lobo mau nos mostrando caminhos incríveis e que agarramos com tanta voracidade que não temos tempo, nem calma e nem a sutileza para internalizar tudo que vemos de belo no mundo.
Essas histórias, além de trazerem imagens arquetípicas, alimento necessário para a construção da personalidade da criança, para nós, adultos, promove uma verdadeira faxina em casa. Na nossa casa interior, espiritual. Descobrimos que existe um jeito certo de contá-la, e que cada árvore ou elemento dali existe por algum motivo. Descobrimos também que contada do jeito certo, damos o antídoto necessário para que a criança fique protegida da tormenta de estímulos e informações dos dias de hoje, e que nós podemos sim escolher viver num ritmo mais calmo.
Encontrar essa mulher, Luiza, pelo caminho, foi um verdadeiro presente da vida, foi um verdadeiro retorno a criança que fui, e às lembranças de um passado que mora em mim e me conforta, me dando forças e vontade de olhar pra frente!

quarta-feira

A festa da insignificância é um livro de Milan Kundera



A festa da insignificância. A festa da superficialidade. A festa do sensacionalismo. Posso chamar de muitas formas. O título do livro de Milan Kundera não pode ser mais atual. Imagino ele, vendo a sociedade de hoje, do alto dos seus férteis 85 anos. Nos que nos transformamos?
Bem, a ciência avança enlouquecidamente, a internet globalizou tudo, a informação chega em segundos a quem se interessar. Temos liberdade total (será?) de imprensa, ou seja podemos teoricamente falar o que pensamos.
Só que ironicamente não falamos.
Porque hein?
Porque não temos nada para falar.
Porque ninguém pensa mais, e também não está interessado em tal. Nossa cultura virou entretenimento e as redes sociais estão alienando os seres humanos.
Esses filmes que chamamos de ficção científica, chatos pra burro, que os americanos adoram fazer, nada mais são do que pedidos de socorro. Só que ninguém percebe, somos zumbis, andando pela rua e fazendo tudo mecanicamente. Como diz Kundera no livro, somos marionetes - "sob o domínio de uma grande vontade as pessoas acabam acreditando em qualquer coisa!". Só que nossas crenças estão iludidas pelo consumo, pelo prazer, pelo superficial. Pela insignificância. É uma pena que essa 'grande vontade' esteja equivocada, esteja fundamentada em valores efêmeros.
As redes sociais respondem à altura. Quem consegue analisar o que está acontecendo se desconsola. As pessoas trocam likes! Sim...as pessoas trocam likes. Se não fosse trágico seria cômico, não que eu não tenha rido alto, já que venho de uma família que consegue achar humor até nos momentos mais duros, mas não é triste você ler na legenda de uma foto, curta dez fotos minhas que curto quinze suas?
Outro exemplo.
Poste no facebook a resenha de um clássico da literatura atual e poste fotos suas fazendo pose o dia inteiro e me diga qual será mais comentado.
É isso aí. Quanto mais espetacularizarmos nossas vidas mais likes receberemos.  O termômetro da nossa sanidade mental. Chegamos a um ponto de desespero tão grande que precisamos desse aval social de que somos bacanas, para a vida fazer sentido.
Sem ele, tudo é vazio.






Thérèse Desqueyroux, 2013 de Claude Miller




Thérèse D. é a adaptação do clássico Thérèse Desqueyroux (no Brasil suprimiram o sobrenome) de François Mauriac, publicado no início do século XX. Mais uma heroína do estilo Flaubert, Thérèse sofre com uma tormenta particular - sua constante enxurrada de pensamentos incontroláveis. Dona de uma mente ativa, criativa e profunda, acredita que pode ser salva pelo casamento. De alguma forma buscou na relação com Bernard uma trégua para todas as idéias que não lhe saíam da cabeça. Faz convicta o que é esperado de toda e qualquer mulher da época, se casa com o bom partido escolhido pelas famílias, achando, sinceramente, que encontraria um sentido para tudo.
Só que pensamentos não encontram consolo no casamento. E muitas vezes em lugar nenhum. Pelo contrário, quanto mais ela vivia, menos sentido encontrava para a vida que tinha. Vendo o marido feliz, realizado com o que julgava pouco, fervia por dentro.
Quando saí do cinema, ouvi alguém comentar, deus me livre um casamento daquele! Pulei. Aquela mulher não tinha entendido a moral da história! O casamento era bom, Thérèse era casada com um homem atencioso, devotado, era uma mulher rica, com empregados que ajudavam, tinha a família por perto. O problema dela não era o marido. O problema era ela! Que simplesmente não cabia ali. E esse é o verdadeiro e triste drama da personagem. Essa inadequação que a fez aumentar as doses do arsênico, tentando de algum modo tumultuar aquele marido, fazer com que alguma inquietação brotasse daquele ser tão complacente.
Depois me fez lembrar da coluna recente do Contardo Calligaris, na Folha de SP, refletindo sobre como não adianta o casamento com um homem provedor, fiel, gentil e insosso para aquietar o coração das mulheres. 'Elas têm sonhos e desejos que vão além de um marido devoto, de uma família e de uma vida ao abrigo das necessidades. E os homens descobriram que não fazem suas companheiras tão felizes quanto imaginam ter feito a felicidade de suas mães. A descoberta do desejo feminino acompanha a descoberta da inadequação e da insuficiência dos homens como marido e também como filhos'.
Thérèse com todo seu espírito de liberdade, ironicamente constrói a sua prisão. E é tão emocionante ver a generosidade daquele marido, que mesmo sem conseguir acessar aquela mulher que já se tornara tão estranha, lhe entrega de volta a vida.
De todo modo, não basta ter uma cabeça aberta se estivermos entre pessoas que não conseguem compreendê-la. Quanto mais distantes estivermos do nosso entorno, mais escura é a nossa prisão.




A Busca, 2013 de Luciano Moura




A Busca, o filme de Luciano Moura vai na contra-mão do muitas vezes estereotipado cinema brasileiro. O que o torna um filme redondo, honesto e com um roteiro que analisa a educação que damos para nossos filhos hoje em dia.
Questões como liberdade demais ou de menos para crianças de quinze anos que viajam sozinhas de carro pelo país, em busca de novas experiências, são temas atuais. No mundo de hoje, com tudo acontecendo mais precocemente na vida dos adolescentes, será que ainda podemos segurá-los? Será que ainda conseguimos retardar certas vivências, esperando um momentos de maior maturidade, sem deixar nossos filhos dentro de uma bolha de proteção, inocentes demais num mundo que não cabe mais na nossa agenda telefônica?
Se deixarmos demais, devemos pensar na educação que estamos dando, ter alguma sombra de certeza de que ela segurará a onda das questões que fatalmente irão surgir nas suas cabeças quando não estivermos por perto.
O casamento ainda é o sentido maior da vida para muitas pessoas, ali criam suas famílias, parem os filhos que um dia seguirão sozinhos para o mundo. E é tão somente nossa a responsabilidade de criá-los, mas enquanto isso estamos preocupados demais em ganhar dinheiro, fazer nossos mestrados e doutorados, ser o mais bem sucedido dos profissionais, saber de tudo o que está acontecendo no mundo para saber conversar sobre todo e qualquer assunto, e nossos filhos estão em casa com a babá. Ou então matriculados em tantas atividades e enquanto deviam estar brincando e portanto fazendo suas experiências livremente, estão com uma agenda tão lotada quanto os próprios pais.
E aí acontece o que mais angustia no longa de Moura. Os pais não conhecem os filhos que tem! Mas não conhecem mesmo! É tao surpreendentemente verossímil que assusta. É preciso perdê-lo de vista para que aquele pai descobrisse, na busca, quem ele tinha dentro de casa o chamando de pai, o quanto podia se orgulhar daquela criança, o quanto poderia estar presente, mostrar caminhos ou falar dos próprios caminhos.
Se não falamos da vida para eles através dos nossos olhos, eles procurarão outros olhos. Simples assim.




segunda-feira

Até a eternidade, 2012 de Guillaume Canet


                  Título Original: Les Petits Mouchoirs, lançado em 2010



Filme que fala de coisas tão simples e ao mesmo tempo complexas me arrebatou, sem querer. Sem querer encontrei Até a Eternidade. Hoje, depois de ter assistido duas vezes, me pergunto se algum dia vamos viver uma experiência tão emaranhada de amizade.
O que se vê no roteiro de Canet são laços profundos construídos por sentimentos de verdadeira amizade, ali as pessoas se conhecem muito e apesar disso se amam muito. Estão juntos apesar de tão diferentes uns dos outros, e é justamente essa diferença que faz o filme ser maravilhoso. Definitivamente são as diferenças que podem fazer uma amizade durar muitos anos, só assim conseguimos nos tornar melhores do que somos. Só assim temos espelho, só assim podemos ver "coisas novas". Quando somos parecidos demais não tem novidade!

Porque ainda hoje, depois de ter passado augures pela adolescência, ainda precisamos de amigos iguais a nós?
É mais fácil amar quem parece igual? Será que esse amor tem a mesma qualidade do amor quando convivemos e amamos as diferenças dos nossos amigos?

No filme, um grupo costuma fazer uma viagem de férias todos os anos. Eles vão para a casa de praia de um deles, e convivem por um longo período. Na véspera de uma dessas viagens, um deles, voltando de uma noitada, sofre um grave acidente e não pode ir. Enquanto o visitam no hospital, todos decidem se devem ou não continuar com os planos. Isso se passa nos primeiros dez minutos, o filme acontece durante as férias na praia. Sim eles decidem ir.

O longa é lindo, engraçado, leve e denso se é que posso usar adjetivos tão opostos. Marion Cotillard (Piaf), faz um lindo papel no filme francês, François Cluzet (Intocáveis) está simplesmente incrível num personagem hilário de tão metódico e obsecado. Jean Dujardin do mágico 'O artista' também está no elenco. O grande ponto do filme são as construções dos personagens, completamente verossímeis e fatalmente nos identificamos com algum deles, tamanha a empatia que sentimos pelos diferentes tipos.

O final é emocionante, de fazer nos sentirmos gratos pelo presente. Gratos por ter alguma alma nesse mundo que seja capaz de traduzir idéias num roteiro incrível e conseguir filmá-lo!





Hitchcock, 2013 de Sacha Gervasi




Em se tratando de um gênio do cinema, a melhor opção quando se resolve fazer um filme sobre sua vida é mesmo tentar contar uma determinada passagem. E nada melhor do que escolher os bastidores de uma das mais polêmicas obras de Hitchcock.
Psicose queria ser evitada a por todos, nem a mulher do cineasta, seu amuleto da sorte e importante montadora de cinema, queria concordar com "um terror psicológico que beirava o mau gosto". Mas ele queria, precisava se reinventar, e já tinha ficado obcecado pelo livro de Robert Bloch. Determinado, comprou os direitos do livro em segredo e penhorou a própria casa para bancar os custos do longa.
Senti falta de uma viagem mais psicológica pela sombra do diretor. O que o movia, porque aquela obsessão desmedida pelas atrizes e porque se sentia traído quando elas estavam apenas tentando viver a vida, casar e ter filhos? Porque necessitava de tanta devoção?
Anthony Hopkins está incrível no papel. Olhar penetrante e trejeitos idênticos. Conseguiu fazer a mesma postura caída para trás. Perfeito naquela maneira quase sarcástica de dirigir seus atores, buscando algo tão real que beirava a própria psicose, suas atrizes sentiam medo de verdade e o olhavam com certo pavor. Era daí que saía a cena perfeita. Ao mesmo tempo encantava pelo brilhantismo, tinha uma nuvem de mistério e terror a sua volta. Isso é o mais interessante sobre esse homem!
Contar a vida de um ser humano como Alfred Hitchcock é tarefa hercúlea, senão impossível. Precisaria de um estudo tão profundo que ninguém talvez fosse ao cinema. Assim, ele permanece misterioso. E saimos de lá ainda sem saber o que se passava por trás daquele olhar mortal, porém um tanto satisfeitos  em participar de alguma forma do set de filmagens daquele artista tão excêntrico.


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