quarta-feira

A outra vida de Catherine M.

Flip 2009





" Que esperanças alimentamos quando o círculo familiar não tem nem as relações sociais ou sequer a capacidade de imaginar os meios que possam ajudar a realizar uma ambição intelectual ou artística - simplesmente porque ninguém imagina que existam certas atividades, certas maneiras de ocupar a vida e muito menos de ganhá-la -, quando nós mesmos ainda não saímos suficientemente desse círculo para criar estratégias a serem seguidas, e quando ainda estamos longe de ter produzido o objeto que as justificaria?"



" O sonhador difrata sua vida. O mundo desenrola diante de seus olhos tantas imagens atraentes, ou perigosamente curiosas, que ele gostaria de refletir todas, e coloca-as em perspectiva, isto é, aprofunda-as e as enriquece. Uma teatralização espontânea faz com que, em alguns segundos, ele vá morar naquele apartamento, naquela casa, mesmo que eles sejam o extremo oposto do seu gosto. "Faço parte da vida dessa família", ele gosta de imaginar, percorrido por um arrepio, se a discussão entre essa última revela valores dos quais ele sempre fugiu. De certo modo, os pais de uma criança sonhadora têm razao em temer que mais tarde ela não tenha personalidade, porque o que se entende geralmente por isso é "personalidade única", e, de fato, o sonhador prefere ser várias pessoas, viver várias vidas, muitas das quais têm a mesma consistência e a perenidade de um grão de poeira que o vento deixou por acaso na entrada de uma casa."



" Durante anos, fiquei convencida de que esse drama tinha tirado de mim a fé sólida, preservada desde a infância, no meu futuro, mas sem que eu tivesse sido capaz de discernir os objetivos precisos aos quais era obrigada a renunciar. Minha impotência desconcertava a mulher que a menina alimentada de leituras e grandes ambições tinha se tornado."



" No desespero diante da infelicidade, mas também na alegria de uma grande felicidade, o ser humano não foi feio para suportar a solidão à qual o conduzem os sentimentos extremos, e ele procura compartilhá-los, o que significa relativizá-los, ou seja, diminuí-los."



"Pensando de novo naqueles acessos, posso avaliar como são preciosos os fragmentos de imagens tirados de leituras ou de visões de quadros, de fotografias, de todos os tipos de espetáculos bem no fundo da nossa memória, que acabam cimentando nosso patrimônio emocional. Vamos buscar neles, quando precisamos, os modelos aos quais podemos comparar as circunstâncias da nossa própria vida, e a maneira pela qual podemos reagir a elas. Elas constituem uma base sobre a qual podemos apoiar as perguntas que nos atormentam."



" Ela confessara a Simone de Beauvoir que tivera uma "espécie de desdobramento", acrescentando "como era horrível se ver sempre". Existem, portanto, estados pisíquicos nos quais a pessoa produz pelo menos dois avatares de si mesma, cada um possuindo uma consciência que o permite julgar o outro, mas sem que uma terceira consciência, de certa forma intermediária ou superior, decida qual é o melhor ou, pelo menos, o menos pior deles."

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...