A maioria dos livros que leio, quando acabo vem um sentimento estranho, uma espécie de solidão. Terminar um livro não deixa de ser uma despedida. Por milhares de motivos talvez nunca mais você o pegue para ler de novo, o que possivelmente é o caso de Um Dia. Esse foi um livro que demorei para engrenar, não entendi muito o motivo, mas talvez fosse o livro certo na hora errada. De qualquer forma é um bom livro. Nicholls conta a historia de duas pessoas ao longo de 20 anos, mostrando como andam suas vidas em 15 de Julho de cada ano. Encontros e desencontros se arrastam em alguns momentos, mas gostei do texto bem humorado, limpo, claro, bem como eu gosto. Emma é uma garota cult, meio intelectual, que faz teatro e gosta de escrever. Dexter é um playboy meio perdido que cai de paraquedas no mundo da televisão, fica famoso, gosta da fama, vive uma vida de noitadas, drogas e relações superficiais. Foram pessoas que estavam vivendo a mesma realidade durante a faculdade, quando se conheceram, mas a vida os faz seguir caminhos diferentes. Ainda assim insistem em não perder o vínculo. É aquela história romântica das pessoas que passam pela sua vida num determinado período, algumas realmente se vão depois que deixamos aquela fase, outras por mais que o destino te ponha a milhas e milhas, sempre vão estar perto do coração.
O final é surpreendente. Não costumo parar livros pela metade, em alguns momentos durante essa leitura outros livros me despertaram o interesse, mas segui em frente e valeu a pena, devorei o final numa tarde, quando decidi que essa leitura já tinha se estendido demais e precisava saber que fim teriam aqueles dois.
Esse livro vai virar filme, ou melhor, já virou, mas não chegou ainda no Brasil. Antes de começar a leitura, li a orelha, como sempre faço, e nela a editora teve a infeliz idéia de contar quem é a atriz que faz o papel de Emma Morley. Não pude construir o personagem na minha cabeça, o que é mais mágico num livro, e fiquei o tempo todo com a cara da atriz na minha frente. Se um dia for indicar esse livro para um amigo, já adianto - não leia a orelha se quiser construir a sua própria Emma, depois, no filme, veja se ela é como você imaginou!
Aqui vai mais uma opinião sobre UM DIA. Dessa vez é o
site de Patricia Cálão, uma portuguesa com uma página bem bacana, que vale a visita!
Trechos de Um Dia..
"(...) Acho que você tem medo de ser feliz Emma. Parece que pensa que o caminho natural das coisas na sua vida e ser triste, sombria e macambúzia, e odiar seu emprego, odiar o lugar onde mora e não ter sucesso nem dinheiro (...) Na verdade vou mais longe: acho que você gosta de se sentir frustrada e ter menos do que queria ter, porque isso é mais fácil, não é? O fracasso e a infelicidade são mais fáceis, porque você pode fazer piada com isso. Está incomodada? Aposto que sim. Bem, estou só começando."
"As vezes pensa como seria bom ser despertada por um telefonema no meio da noite: "Pegue um táxi agora mesmo", ou "preciso encontrar com você". Mas na maior parte do tempo se sente como uma personagem de um romance de Muriel Spark - independente, aficionada por livros, inteligente e secretamente romântica. Aos vinte e sete anos, Emma Morley tem um diploma com duas menções honrosas, em inglês e em história, uma cama nova, um apartamento de dois cômodos em Earls Court, muitos bons amigos e uma pós-graduação em educação."
"Havia algo de não convincente e efêmero naquelas tentativas de construir um lar, como se fossem duas crianças montando uma cabana, e, apesar da pintura nova, dos quadros nas paredes, dos novos móveis, o apartamento mantinha a mesma atmosfera de coisa gasta e temporária."
"Na primeira noite, quando fecharam a porta da frente e abriram o champagnhe, Emma teve vontade de chorar. É normal demorar algum tempo até sentirmos que é a nossa casa, disse Ian ao abraçá-la na cama naquela noite, e ao menos eles tinham conseguido subir um primeiro degrau. Mas a ideia de subir as escadas juntos, degrau após degrau, ano após ano, a enchia de uma terrível tristeza. E o que haveria no topo?"
"O que aconteceu com as amigas? Eram engraçadas e gostavam de se divertir, eram gregárias e interessantes, mas cada vez mais noites são passadas como aquela, com casais pálidos, irritados e com olheiras em salas malcheirosas, conversando sobre o milagre de o bebê estar crescendo em vez de diminuindo. Já cansou de expressar a alegria ao ver um bebê engatinhar, como se isso fosse um desenvolvimento completamente inesperado. O que eles esperavam, que voasse?"
"Sente-se particularmente aborrecida com isso, seus amigos homens fazendo o papel de jovens papais: irritadiços porém de bom humor, exaustos porém modernos, com suas jaquetas militares e calças jeans, barriguinhas protuberantes e aquela expressão de contentamento ao jogar o júnior para o alto."
"Sim, eles ainda se divertiam juntos, embora agora fosse diferente. Todo aquele desejo ardente, a angústia e a paixão foram substituídos por um ritmo estável de prazer e satisfação, com alguns atritos ocasionais, mas parecia ser uma mudança para melhor. Talvez Emma já tivesse sido mais feliz em outros momentos da vida, mas nunca as coisas estiveram tão estáveis quanto agora."
"Por quê? O que você quer fazer? - ela perguntou, embora soubesse a resposta. Dexter colocou a mão no pescoço dela, ao mesmo tempo que Emma tocava de leve o quadril dele, e os dois se beijaram no meio da rua, rodeados de pessoas que corriam para casa sob os últimos raios do sol de verão, e foi o beijo mais doce que já tinham sentido."