quarta-feira

Era uma vez eu, Verônica - 2012, de Marcelo Gomes




Quando o filme começou com a cena de sexo, alguma coisa me dizia que aquilo não tinha razão de ser. Pura e simples intuição. Depois procurei deixar os julgamentos de lado e dar chance para os motivos aparecerem. Porque o sexo era um personagem tão importante naquele longa?
Passado um tempo percebemos que sim, ele era um personagem muito importante. Ele era a válvula de escape de Verônica, interpretada pela competente atriz Hermila Guedes. Aquela recém formada psiquiatra se viu em crise com a profissão e quanto mais essa crise se agravava, mais sua libido crescia, come ela mesma diz, fazendo com que usasse o sexo como um alívio para as angústias daqueles dias difíceis.
Até então estava perfeitamente cabível e minha implicância não se confirmava, meu pé atrás não fazia sentido.
O filme segue para o desfecho com uma sequência do carnaval de Pernanbuco, enquando Verônica esta tentando namorar Gustavo, personagem do talentosíssimo Joao Miaguel, e resolve curtir as festas ao lado dele. Não consegue. Logo está naquele clima bem estereotipado mas real do carnaval, beijando alguns homens até ir parar na praia, transando com algum deles.
A cena seguinte são as pazes que a personagem faz consigo mesma. Naquela cena, depois de toda a aguaceira da cara e contato consigo mesma resolve colocar um ponto final naquele sofrimento todo, admitindo estar cansada da angústia e prometendo para si mesma sonhar mais com a vida e se cobrar menos.
Tudo se fecha, você acha que a personagem resolveu seu conflito, vai aceitar que as angústias fazem parte da jornada e portanto resolveu o problema com o sexo, colocando-o não mais como uma válvula de escape e sim como a maneira de sentir e dar prazer. E de repente...
Ela desiste do namoro com o rapaz Gustavo e a cena final é a mesma que deu início ao filme - a idéia de sexo livre, sexo pelo sexo, com várias pessoas e com nenhuma. Ok, sem problemas ter uma opção de vida livre, claro. Mas o roteiro não se fecha. Então o sexo não pode ser encarado como um problema durante no filme. Quanto mais estou em crise, mais minha libido explode. O sexo desenfreado era produto da crise e não a resolução dos problemas da personagem. Ou seja, ela continua em crise?
A opção do sexo livre continua sendo um meio e não o entendimento de que aquela era uma opção lúcida e legítima de viver a vida.

O tema é muito, muito interessante. O universo particular de uma médica psiquiatra no início da profissão é um prato cheio para questões filosóficas e portanto um bom roteiro. A questão com o pai foi colocada de forma sutil, mas conseguimos sacar que aquela dificuldade de manter qualquer relação amorosa está completamente ligada à figura de príncipe encantado que ainda guarda daquele pai.
Também gosto do filme que se passa no nordeste, sem o estereotipado universo nordestino de sertão, aridez, cangaço e folia. Mostrando o dia-a-dia de pessoas comuns, que sofrem com a saúde pública e têm seus momentos de solidão como todo e qualquer um em qualquer lugar do mundo.




domingo

Gonzaga - de pai para filho, de Breno Silveira




Artistas incríveis e grandes sucessos a parte, o que vemos aqui é um emocionante acerto de contas entre pai e filho. Um eterno menino que de alguma forma precisa buscar a redenção num pai ausente, torto, que mesmo longe de ser um pai decente, o amava.
Como alguém da roça, criado no meio do sertão nordestino nos anos 30, pobre de tudo, poderia ser um pai num Rio de Janeiro boêmio, pré ditadura militar? Aquele homem não saberia criar aquele menino sozinho. Não que ele tenha feito certo, deixar uma criança que perdeu a mãe para outra pessoa criar é não ter dentro de si um pai. Se houve algum sofrimento durante todo o tempo em que esteve fora, o filme não explicitou. De qualquer forma não se pode pedir de alguém aquilo que ele simplesmente não tem para dar.
Conseguimos passar para os filhos aquilo que recebemos, o que nem sequer sabíamos que precisávamos e continuamos a viver sem saber que precisávamos e não tivemos dos nossos pais por diferentes motivos, nunca seremos capazes de consertar com os nossos filhos. Criar alguém de caráter é relativamente fácil, desde que sejamos pais íntegros e honestos, via de regra, serviremos de exemplo. Criar filhos emocionalmente saudáveis, que tenham recursos para lidar com a vida, aí sim, é o grande desafio humano.

Apesar da semelhança com Luiz Gonzaga não consegui me acostumar com Chambinho do acordeon, quem o interpreta a maior parte do filme. Destaque para Cláudio Jaborandi fazendo seu Januário e Júlio Andrade que faz um Gonzaguinha com uma carga dramática inquestionável.
As cinebiografias nacionais apesar da busca pelo grande público me parecem mais sinceras que as romantizações americanas. Apesar do grande apelo emocional não se vê muito pudor em retratar os fatos. A direção sem grandes novidades, nenhuma câmera mais ousada me chamou atenção.
No mais... derramei muitas lágrimas.



quinta-feira

Enquanto lia algumas receitas...




Demonstrações de cuidado com o outro me emocionam, me enchem de esperança no mundo. Não esse cuidar mecânico que se faz no dia a dia com o marido, os filhos, mas uma atenção daquelas que os amigos de verdade dão quando você tá com uma criança pequena indo visitá-los e eles te chamam mais cedo, deixam você a vontade com horários. Ou quando é seu aniversário e alguém te surpreende com um presente que te toca a alma. Ou quando sua irmã percebe que você não está bem e te oferece aquele colo antes de você pedir. Ou então quando você vai ficar doente e seu marido se encarrega de fazer uma sopinha bem quentinha e trazer no sofá enquanto você está esparramada tentando manter os olhos abertos as sete da noite.
A generosidade é uma das virtudes mais lindas que o ser humano pode praticar. Cada vez mais rara num mundo cada vez mais individualista, é preciso ter fé, acreditar que se você praticar a generosidade conscientemente você acaba se tornando uma pessoa de fato generosa. Aí quando percebemos o quanto é bom estar disponível para o outro experimentamos sensações de amor incondicional, como quando estamos correndo no cotidiano e sem querer, no carro, esperando o farol abrir, temos vontade de abraçar o mundo, ligar para os amigos e dizer o quanto os amamos, sorrir e olhar no olho de todos que cruzam nosso caminho, bem como naquela música Telegrama do Zeca Baleiro. E finalmente entender que quando damos amor, recebemos amor. Simples assim.


domingo

O Hamlet de Thiago Lacerda






Foi no dia do último capítulo da novela que arrebatou os brasileiros. As ruas desertas. Começamos a nos aproximar do teatro da PUC e as pessoas se aglomeravam. Era noite de estréia. Thiago Lacerda faria Hamlet.
Fico aflita pelo ator, me coloco no lugar dele, quando pela primeira vez vai levar ao palco uma peça de teatro. É tudo ou nada, é ali e agora, sem cortes, sem possibilidades de um novo take. Já tinha assistido há pouco ao Wagner Moura no papel, tinha gostado daquela adaptação contemporânea da peça, do figurino, que ainda continuo achando incrível, da ausência de coxia, com os atores em cena durante todo o espetáculo, funcionando tudo de maneira orgânica, fluida...
Foi inevitável a comparação.
E como a grande força da peça é o ator, gostei demais do que vi no Tuca. Surpresa, me admirei pela competência desse ator tão galã, que cansa tanto nas telas da televisão. No teatro ele se revela lindamente. Ele sabe exatamente o que fazer com todo aquele um metro e muitos de altura. Tem postura. Tem classe no palco. Logo estamos envolvidos pelo eterno dilema de Hamlet e pela tamanha falta de força do atormentado personagem.
Sim, com todos os possíveis caminhos de análises e concepções para a tragédia de Shakespeare, na direção de Ron Daniels, o foco é um príncipe frouxo, com uma personalidade fraca, que vive sob a sombra de um pai honrado e amado. É incapaz de enfrentar a vida e portanto usa a clássica farsa da loucura para forjar seus planos de vingança.
A montagem, por mais alternativa que seja, tem uma linearidade necessária para o entendimento do todo, ali se contou uma história, diferente de enfatizar demais a loucura e o tormento do garoto e não dar um sentido para o público, cumprindo o papel do teatro clássico.
Por último, usar o clown para dar humor às cenas irônicas e não engraçadas gerou um paradoxo. Me causou um estranhamento e talvez uma forçação de barra, como se o objetivo fosse chamar o público para uma boa risada, mas num texto trágico e irônico como esse? O riso vem da constatação da hipocrisia e não da comédia rasgada desse tipo de humor.

Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre





Estar preso em uma sala com pessoas te apontando regularmente todos os seus defeitos, te fazendo enxergar aspectos que você a todo custo tenta esconder, jogando luz nas sombras mais escuras realmente deve ser um infernao tão ruim ou maior que a idéia de inferno cristão.
Aqui, três pessoas são condenadas a conviver confinados entre qutro paredes, sem janelas onde só vêem um ao outro, com algumas visões da vida que se segue na Terra, tornando ainda mais profundas suas angústias interiores. Cada um têm o dedo do outro apontado para o rosto, que o desnuda e acusa sem qualquer sentimento de compaixão.
Com cada um fazendo o papel de espelho do outro, são obrigados a examirarem a conscieência, olharem para os defeitos e assumirem suas falhas de caráter e tudo de podre que escondiam até de si mesmos durante a vida.
A famosa frase de Sartre que diz - o inferno são os outros, é aqui, o cerne da questão da intimidade na convivência humana. Quando somos obrigados a conviver com a acusação eterna de quem somos, ou de quem fomos um dia e parecemos nunca ter a chance de ser vistos com olhos menos estreitos, mais abertos às transformações inexoráveis da vida.



quinta-feira

O bruxo, de Maria Adelaide Amaral




Algumas pessoas passam pela vida sem fazer grandes reflexões, outras procuram um sentido para tudo e rumam em busca de auto conhecimento.
O bruxo, de Maria Adelaide Amaral conta uma determinada época da história de uma mulher de cinquenta anos, que depois de vinte e cinco de casamento, filhos criados e estabilização profissional, está em busca de um amor que transcenda a sua concepção de amor, quer se apaixonar novamente e viver uma experiência sem culpa. Afinal, todas as paixões que viveu durante esse casamento foram carregadas de grande peso e angústia.
É chegado o momento do balanço, de fazer escolhas e descartar pessoas e situações que não agregam mais nada a ela. Depois de descobrir um problema de saúde e sentir a própria finitude, através do sofrimento Ana se renova, finalmente se separa do ex-marido, abre mão do amante e se desfaz de amigos que durante anos foram um peso carregado por gratidão.
Quando estamos fazendo de conta que estamos felizes e tudo caminha normalmente, vem o destino bater na nossa porta e passar uma rasteira para nos fazer reformular os pensamentos, mudar valores e recomeçar.


trechos...

"Eles se divertiam tanto, eram tão cúmplices, agora, que não se odiavam pelo gesto que não tinha sido feito, pela palavra que não era proferida. Eles se queriam tanto agora que não exigiam, que toleravam, que compreendiam, agora que não estavam mais apaixonados."

"Um dia, no curso do romance com o líder operário, Ana acordou para o fato de que era como as personagens de Clarice Lispector sobre as quais discorria em classe. Ela, que se julgava tão incomum, descobriu que afinal era igual às Anas comuns por meio de um fato trivial: a visão da janela de um quarto, onde havia uma manta posta ao sol. E, ao ser tocada pela imagem daquela manta vermelha, que contrastava com o armário branco ao fundo, a imagem confortável de um quarto, numa casa de tijolos que era o estereótipo de um lar, compreendeu por que tinha se casado com Pedro e também por que tão cedo não iria se separar."



terça-feira

Cosmopolis, 2012 de David Cronenberg


                                                                                                                     


O filme de David Cronenberg é, sem sombra de dúvida, o retrtato do nosso século. Enquanto o passado foi marcado pelo conhecimento, o nosso é marcado pelo consumismo. Do consumo barato ao luxo do conforto, carregamos o estigma. Ninguém escapa.

Enquanto o personagem de Robert Pattinson, poderoso e multimilionário quer atravessar NY num dia caótico apenas para cortar o cabelo, é avisado várias vezes de que o dia não é propício. Para provar a si mesmo que pode fazer o que bem entender, que está acima do bem e do mal, encara um dia de trabalho dentro de uma limosine, pessoas entram e saem do carro em cenas captadas sem ruído algum, "protegidas" pela acústica interna, para no fim ele encarar um duelo verbal com seu algoz, na melhor sequência do filme. Durante o percurso ele aposta em ações falidas e perde toda sua fortuna.

Uma cena é desconexa da outra. E definitivamente o filme poderia ser outro para mostrar um valor tão importante. Ninguém se aguenta na cadeira do cinema, é preciso um espectador atento e de boa vontade para concluir o objetivo do diretor.

O personagem é casado com uma mulher de porcelana, suas conversas refletem a falta de interesse que um tem pelo outro. Estão juntos por questões de negócios de dinheiro e poder. Ao longo da história, ele tenta uma redenção, mas longe de ser acolhido continua vagando por uma cidade agitada por manifestações grotescas conta essa ditadura que nos confina e idiotiza.

Quando ele finalmente chega no seu destino, ali está um garoto em busca da família, aquele velhinho barbeiro é o símbolo do que é acolhedor. O personagem está falido, carente e frágil. Quando perde tudo começa a refletir. Ali o conflito de valores vai começando a aparecer e tudo se torna mais interessante.

O encontro com o mendigo de Paul Giamatti conclui o enredo, o milionário não consegue ter a empatia que o outro tanto espera. Nos faz refletir sobre o mundo atual, onde tantas pessoas só querem ter a chance de serem vistas de verdade. A violência muitas vezes existe numa tentativa desesperada das pessoas de chamarem nossa atenção, um chamado mudo pela salvação.



segunda-feira

Cinquenta tons mais escuros, de E.L.James




Cinquenta tons mais escuros é mais suave. No primeiro nos apaixonamos e odiamos aquele homem tão sedutor e corrompido. Agora a autora humaniza aquele vulcão dominador. Vamos entendendo que ele usa todo aquele controle para se defender do mundo. No fundo, é um menino assustado, com medo de ser abandonado e rejeitado.
O sexo continua sendo o pano de fundo do livro. Mais realista, mais próximo do bom senso, vamos torcendo pelo casal no decorrer da leitura. Começamos a pensar na possibilidade de estar no lugar daquela garota. Será que Cristian Grey no fundo é o homem dos sonhos de qualquer mortal do sexo feminino, ou o mais traiçoeiro e manipulador dos homens? Dia 15 de novembro chega nas livrarias o terceiro volume.
Por enquanto, só fica aquela pergunta - será que ser maltratado na infância, abusado sexualmente na adolescência, rejeitado pela própria mãe e ter um pai desconhecido de alguma forma influencia nossa sexualidade, assim como influencia nossa personalidade?



E agora hein?




Hoje me peguei pensando no porque as pessoas precisam tanto da hipocrisia para conviver. Ser politicamente correto será o mal do século, como a peste foi um dia?
Porque tudo precisa caminhar tão bem sempre, tão superficial para não criar atritos? As pessoas estao tão de saco cheio umas das outras que falam só o que o outro quer ouvir, assim não criam problemas para elas ou é o medo do conflito de idéias?
Não sei. Quanto mais converso com as pessoas, menos autênticas elas me parecem. Menos parecem dizer o que de fato têm vontade, menos assumem o que fariam. Ninguém mais se banca!
Existem aquelas que ficam no meio termo, sem coragem de pular para algum lado do muro, sem saber se, em algum momento, bem no íntimo, elas se soltariam e conseguiriam estar completamente a vontade.
As máscaras estão em voga, ninguém usa mais a cara lavada. Enquanto todo mundo quer se esconder algumas poucas acabam se expondo para de alguma forma tentar arrancar um pouco da falta de verdade que tanto insiste em se estabelecer como característica social. Pobres coitados, são julgados e tratados como sonhadores, inocentes, imaturos. Vivem na minoria, tentando destruir personas enquanto os outros insistem em se manter fiel às suas.
Ah que preguiça!


A vida de outra mulher, 2012 de Sylvie Testud




Ja estava na hora de mais um filme arrebatador. A vida de outra mulher nos faz pensar em como podemos nos perder de nós mesmos ao longo da vida. Podemos nos tornar pessoas que nós mesmos desaprovaríamos.
Marie acorda no dia do seu aniversário de 41 anos e descobre que perdeu a memória dos últimos quinze anos. É uma executiva de sucesso, famosa, arrogante e está a beira do divórcio, mas sua última lembrança é do fim de semana em que conhece seu marido e se apaixona por ele, as vésperas de fazer a entrevista de emprego que mudará a sua vida. 
A partir daí ela vai tentar descobrir quem é, que papel ocupa no mundo, quem são todas aquelas pessoas a sua volta. Descobre que se tornou alguém completamente diferente do que imaginava ser, alguém que definitivamente ela não gosta e tampouco sabe como se comportaria se estivesse em sã consciência. É como se ela pudesse sair do corpo para analisar a vida que tinha escolhido viver, só que esquecendo de como chegou até ali.
Esta tão refém dela mesma, tão condenada naquele entorno que não consegue resgatar seu ideal. Quer amar o marido mas descobre que já colocou tudo a perder há muitos anos. Vai desesperadamente tentar reconquistá-lo, reconquistar o que abriu mão sem saber como.
Durante esses anos se perdeu no poder, no trabalho, no ciúme. Perdeu o convívio com o filho, brigou com a mãe. Quando conseguiu pistas assistindo a videos de suas entrevistas pelo mundo não gostou do que viu. 
Como podemos chegar a esse ponto? No filme, ela acorda congelada na Marie de quinze anos antes, com os pensamentos da Marie que foi no passado, mas e nós que não temos amnésia para nos salvar? E nós que estamos completamente "cientes" dos nossos caminhos traçados? Estamos agindo de maneira que nos orgulharemos depois? Será que estamos nos perdendo de nós mesmos, dando valor para o que no fundo não nos faz felizes?

Quero ver e rever esse filme. Aliás é algo para se ter em casa e colocar no dvd de tempos em tempos. Exame de consciência sem precisar de terapia!
Juliette Binoche está simplesmente incrível. Quanta competência para viver o papel. O ator que faz seu marido é um dos homens mais lindos ou charmosos dos últimos tempos. A trilha sonora é ótima e o roteiro, finalmente, é im-pe-cá-vel. 



A Condessa Cega e a Máquina de Escrever, de Carey Wallace




Uma história da Itália do século XIX, A condessa cega e a máquina de escrever é poesia pura. Não na linguagem nada rebuscada, mas nos sentimentos, no estilo de vida das pessoas, no que as faziam felizes, na vida simples vivida no campo, com a natureza fazendo parte de cada minuto do cotidiano, e no tempo que passava sereno, trazendo calmaria.
Bem jovem Carolina percebe que está ficando cega. Conforme os dias vão passando ela conta de um a um, mas as pessoas não dão tanta importância para suas palavras. Ela segue seus dias convivendo com a visão debilitada, com seu entorno se transformando a cada dia.
Quando a visão é completamente substituída pela escuridão silenciosa, Carolina já imaginava o que a esperava e descobre a partir daí uma maneira de viver, das lembranças que tinha quando enxergava, dos novos sons que agora povoavam seu redor.
Na prática, ficou mais difícil chegar nos lugares escondidos na floresta que tanto passeava desde criança, mas passou a ouvir música com a alma e foi a única no vale a escrever cartas numa primária e inédita máquina de escrever. Sonhava com mais realidade e descobriu habilidades que não teria se a sensibilidade não tivesse, a partir de então, aguçado seus instintos e a tornado capaz de viver tão a flor da pele.


"Nada era omitido. Se ela deixasse, ele começava com um beijo casual em sua nuca enquanto a guiava pela floresta e terminava com os dois emaranhados nas agulhas de pinheiros ao lado do caminho argiloso. Cada noite era uma experiência ímpar. Ele abria um a um os botões de seu vestido, afastava-o de seus ombros, mas se mantinha a um passo de distância, delineando seus lábios, seu maxilar, seus seios, para ver onde ela respondia, quando ela prendia a respiração. Quando estavam deitados, aconchegados um no outro, ele cobria seu rosto com as mãos, estudando suas feições pelo tato, como se o cego fosse ele."


A Sagrada Família, de Zuenir Ventura




Livro leve, gostoso de ler. Zuenir provavelmente temperou suas memórias com alguma ficção para nos contar a vida numa cidade do interior do Rio de Janeiro na época de Getúlio Vargas.
Nos anos 40 o Brasil ainda era um país bem provinciano. Não que não seja ainda em muitos casos, mas na cidade de Florida as moças casavam virgens e não podiam namorar no banco da praça, nem tampouco sair de mãos dadas com o namorado porque podiam ser malfaladas, e essa condição acabaria com qualquer reputação, condenando a pobre moça a morrer solteirona, porque homem nenhum iria manchar a honra com uma mulher indecente.
Assim sendo, nosso querido autor nos conta o que acontecia por baixo dos panos. Sim, porque o namoro, o beijo na boca, transar porque sentiu vontade, tudo isso sempre aconteceu, só que sem ninguém ver, hã? Ainda hoje é assim, só que pior, porque as pessoas são rotuladas se começam a falar muito o que pensam. Século XXI, ano 2012, era de Aquário... e ainda as pessoas estão achando que ser politicamente correto é sinônimo de dignidade.
Manuéu, médico bem sucedido, herói do nosso livro, nos conta de forma muito bem humorada suas memórias daquela cidade tão peculiar, onde a neblina escondia os namorados e onde o sol brilhava chamando os turistas para o verão. Ali vivera a infância e os primeiros anos da juventude. No começo ia nas férias para ficar na casa da tia Nonoca, depois seus pais se mudaram para Florida com ele. Tia Nonoca era uma mulher viúva de 37 anos que precisava manter a aparência de mulher honesta, enquanto ardia de tesão por dentro. Criou duas filhas com a mesma convicção, precisavam encontrar bom casamento e cuidar para não cair em tentação. Bem, as coisas não saíram exatamente como tia Nonoca gostaria.

A Sagrada Família é um livro para ler na praia, no avião, na sala de espera, ou em casa mesmo em três ou quatro sentadas, naqueles dias em que tudo que você quer é não pensar em nada que não tenha bom humor.



domingo

Last Nigth, 2012 de Massy Tadjedin





Apenas uma Noite. Apenas uma noite é o tempo que se precisa para fazerermos escolhas que vão nos marcar para sempre. O convívio do casamento pode deixar o desejo pelo outro sumir e ninguém tem culpa de se sentir atraído por outra pessoa. Mas a maneira como homens e mulheres lidam com as situações desse tipo são profundamente diferentes.
Na casa de amigos, Joanna, vivida por Keira Knightley, percebe um clima entre seu marido e uma colega de trabalho, só um pobre coitado para achar que a mulher não sacaria aquela situação. Toda e qualquer mulher saca bem de longe qualquer olhar mais interessado de qualquer homem, não só o dela, para qualquer outra mulher. Algumas acreditam no sexto sentido, outras não.
Bem, no dia seguinte ele viaja a trabalho com a atraente colega vivida por Eva Mendes. Depois de se despedirem em casa Joanna sai para tomar café e cruza com um antigo amor parisiense que está na cidade para laçar um livro. Saem para jantar.
E aí é que se vê toda a diferença. O filme alterna cenas de cada casal, o marido com Eva Mendes na Filadélfia e Keira com o escritor em NY. Os dois estão na mesma situação, ou seja, estão com outra pessoa e estão loucos para viver a atração que sentem. E os dois estão com a consciência pesada. Joanna se entrega, consegue se divertir, vive momentos que provavelmente não ira esquecer, mas no final das contas não consegue transar com o ex. O marido passa o tempo todo travado, duro, mal consegue olhar para a mulher que tanto quer, embassa a situação até não poder mais e depois a leva para a cama.
Porque Joanna não transou? Porque o marido não relaxou?
A questão de Joanna foi sentir que seu coração não era exclusivamente do seu marido e a questão do marido foi ter transado com a mulher gostosa do trabalho. Ambos voltam para casa e sentem que alguma coisa está errada, mas ninguém tem coragem de falar...e assim fizeram suas escolhas, e assim vão continuar a vida, com esse segredo entre eles.



quinta-feira

360, 2012 de Fernando Meirelles




O que dizer de 360?

Muito mais do mesmo. Mas ainda assim, válido. Quanto mais pudemos bater na tecla da nossa condição isolada do mundo de hoje, melhor. Quem sabe possamos fazer algo a respeito.
O novo filme dirigido por Fernando Meirelles fala da solidão. Aquela velha companheira das grandes cidades, dos relacionamentos sólidos e monótonos, da vida fora de onde nascemos.
Também ouvimos sobre as relações que desenvolvemos com pessoas ao longo da vida, pessoas que passam por nós para significar algo especial e nunca mais voltamos a ver.
E das escolhas....principalmente das escolhas. Escolher significa abrir mão de todo o resto. Num mundo cheio de opções que temos pela frente, escolher ficou cada dia mais difícil, claro. Queremos tudo, somos 'criados' para querer tudo. Quem não quer não sabe viver, não é assim? O momento do hedonismo?
Antony Hopkins está lindo no filme. Entregue no jeito de atuar, sincero...sereno...maduro. Presente para nossa Maria Flor. Soube que ele se identificou com o personagem e por isso topou fazer na hora. Quantos de nós não temos histórias tristes guardadas na vida, que possam ser de alguma forma exorcizadas pela arte?
As histórias realmente não se aprofundam em si, mas acho que concluem bem. Realmente não conseguimos entrar na onda de cada personagem, a nao ser com uma grande identificação pessoal. Mas...acho que elas se amarram de forma conexa, tudo se encaixa perfeitamente.
O grande trunfo do filme é a direção do Meirelles e a edição do Daniel Resende. As câmeras são posicionadas de forma tão competente que conseguimos sentir a solidão do personagem, e Daniel cria a atmosfera sem precisar da trilha sonora. Dupla implacável...que venham muitos filmes para fazerem juntos!
Não está, definitivamente, entre meu filmes favoritos, mas vale a pena ir no cinema!!!



Cinquenta Tons de Cinza, de E. L. James




Fenômeno editorial, Cinquenta Tons de Cinza já vendeu mais de 10 milhões de cópias em seis semanas só nos Estados Unidos, a autora é inglesa e esse é seu livro de estréia. Os direitos para o cinema já foram adquiridos por lá e o momento agora é de escolher o elenco e as opções até agora não cabem de jeito nenhum nesse casal improvável. Anastacia é uma menina de 22 anos, se formando em literatura que vai, a pedido de uma amiga, entrevistar um jovem empresário bem sucedido para o jornal da faculdade. A química entre eles é imediata. Cristian, arrogante e controlador, é desmontado pela sagacidade espontânea da menina, e não a deixa mais escapar.
Sedutor até o último fio de cabelo, deixaria qualquer mulher enlouquecida até a convivência obrigar alguma intimidade. Entre quatro paredes o cara é um completo alucinado por controle que no fundo não consegue amar e principalmente receber amor.
Depois de ler tudo aquilo, de supetão, sem conseguir respirar, a conclusão mais óbvia é de que realmente toda tara é fruto de algum trauma, de algum assunto mal resolvido ou algum sofrimento mal digerido. Terminamos o volume sem entender o que se passa com o rapaz, mas sabendo que foi um menino abandonado, rejeitado e sofrido na infância. Me fez lembrar 'SHAME', filme imperdível para se guardar na gaveta de preferidos.
A obra é uma trilogia, ainda tenho mais dois pela frente antes de dar minha opinião final. Espero não me decepcionar com o desfecho. Também não queria me decepcionar com o resultado nas telas do cinema. Ele pode ser um filmaço!!!!
O personagem é ambíguo, ao mesmo tempo que odiamos, queremos colocar no colo, também queremos estar entregue, sob seu controle. É um livro para se ler em poucos dias, daqueles que não te deixam fazer mais nada até acabá-lo. Foram 10 dias sem ir no cinema, sem sair para jantar ou fazer qualquer coisa no tempo livre. Eu queria de qualquer jeito saber até que ponto aquela menina iria pela paixão. Todas nós, mulheres, estariam apaixonadas, mas até onde cada uma iria?
Aguardando, ansiosa, pelo dia 15 de Setembro, quando chega no Brasil 'Cinquenta Tons Mais Escuros', a continuação de tudo...



quarta-feira

Egocentrismo e outros recalques



As pessoas estão cada vez mais recalcadas. É tudo mais simples gente! Cada um tem um tipo de interesse, cada um entende de um assunto, é bom em alguma coisa, ou nem é bom em nada. E quem não se interessa por nada também fez uma escolha. Se a sua opção é pensar em nada, tudo certo para você, procure amigos que não pensem em nada, ou então aprenda com quem pensa. Ninguém é obrigado a conviver com ninguém. Obrigações sociais só geram misantropia.
Se as pessoas olhassem mais para os outros e tirassem os olhos do próprio umbigo, perceberiam que ainda tem quem seja altruísta, quem queira agregar pessoas, quem fica feliz em unir universos distintos, ou promover encontros que possam dar frutos.
As pessoas estão com medo de se comprometer e acabam deixando de aproveitar oportunidades. Receber hoje em dia tem preço alto.
Pessoal, o mundo está aí para ser explorado, vivido, descoberto. Se um dia alguém quiser te apresentar novidades não ache que vai dever algo no futuro, como disse, ainda tem gente que faz coisas sem compromisso. Quem conta trocado na vida vai morrer atrasado. Deixe para lá.
Abra as portas do seu mundinho cheio de preconceitos e regras, porque os encontros felizes que teremos pela frente muitas vezes vêm do inesperado.
Enquanto você faz de conta que é a pessoa mais importante do mundo, deixa de lado a possibilidade de viver momentos mais sinceros e felizes, de onde surgem os melhores caminhos.



quinta-feira

Um, nenhum e cem mil - de Luigi Pirandello




Moscarda é usurário na pequena cidade de Richieri na Itália. Um certo dia, conversando descompromissadamente com sua mulher Dida, descobre por ela que seu nariz caía levemente para a direita. Transtornado percebe que a imagem que sua mulher tem dele não condiz com a imagem que ele próprio tem de si. E fica louco.
O livro é uma eterna reflexão tragicômica da concepção que cada um tem de si mesmo, e que no fundo não adianta muito querer passar imagens o tempo todo porque fatalmente ninguém perceberá nada a não ser o que está querendo perceber. Somos produto da imaginação de cada um e como cada um é um, somos nenhum, ou somos cem mil.
Gengê, como o chama sua mulher, é produto da fabricação de Dida, ele próprio não se encontra naquela figura abobalhada. Vai para a rua perguntar aos conhecidos mais próximos como o vêem e decide desdenhosamente, decompor aquilo que era para eles.
"A ideia de que os outros viam em mim alguém que não era eu tal como eu me conhecia, alguém que só eles podiam conhecer olhando-me de fora, com olhos que não eram os meus e que me davam um aspecto fadado a ser sempre estranho a mim, mesmo estando em mim, essa ideia não me deu mais descanso".
Pirandello tem uma maneira deliciosa de escrever, reflete sobre nosso comportamento e nos faz rir ao mesmo tempo. Tem completo domínio sobre seu pensamento, só assim conseguiria escrever um romance como esse.
Nós nunca seremos para o outro o que achamos que somos na essência, nossos valores e ideias nunca chegarão ao outro tal como tantamos passar. Por mais que usemos as mesmas palavras e a mesma linguagem, o sentido está fora de nossas mãos, quem vai dá-lo é o outro. Que está fora de nós e portanto, diferente de nós. Nós só temos, enfim,  mais uma opinião sobre nós mesmos.


trechos guardados...

"- Como assim? O que você entendeu? Você não me disse isso e aquilo?
Isso e aquilo, perfeitamente. Mas o problema é que vocês, meus caros, nunca entendem; e eu nunca vou poder explicar-lhes como se traduz em mim aquilo que vocês me dizem. Sei que vocês não falaram turco, sei disso. Usamos, eu e vocês, a mesma língua, as mesmas palavras. Mas que culpa temos, eu e vocês, se as palavras em si são vazias? Vazias, meus caros. E vocês as preenchem com o seu sentido, ao dizê-las a mim; e eu, ao recebê-las, inevitavelmente as preencho com o meu sentido. Pensamos que nos entendemos, mas não nos entendemos de modo nenhum." (pag55)

"E quanto a mim, que nasci nela? Oh meu Deus! Mesmo que os cinco considerem que nesta casa, que é uma em cinco, tenha nascido no ano tal, mês tal, dia tal um imbecil, vocês acham que se trata do mesmo imbecil para todos? Para uns, serei um imbecil porque deixo que Quantorzo dirija o banco e que Firbo seja meu procurador legal, ou seja, pela mesma razão por que um outro me considera prudentíssimo, o qual, por sua vez, vê uma imbecilidade gritante no fato de eu passear todos os dias com a cadelinha da minha mulher, e assim por diante." (pag92)

"Mas, pensando bem, esse tipo de coisa é o melhor que se pode esperar das tantas realidades bizarras que os outros nos conferem. Superficialmente, costumamos chamá-las de falsas suposições, juízos errôneos, atribuições infundadas. Porém, tudo aquilo que se pode imaginar sobre nós é realmente possível, conquanto não sejam verdades para nós. E os outros nem se abalam, pouco se importando de são ou não verdades para nós: são verdades para eles. Tão verdadeiras que, muitas vezes, os outros chegam a nos convencer de que a verdade que eles nos atribuem é mais verdadeira que a sua própria realidade, caso vocês não se agarrem com força à realidade que vocês mesmos se deram por conta própria." (pag178)


quarta-feira

Elles, 2012 de Malgorzata Szumowska




A personagem de Juliette Binoche está escrevendo um artigo para ELLE francesa sobre estudantes que se prostituem para pagar seus estudos e ter uma vida decente em Paris. Ao mesmo tempo está as voltas com um jantar que ela e o marido vão dar em casa naquela noite. Enquanto se divide entre ouvir os depoimentos dessas meninas, tentar escrever e preparar seu Coq au vin, toda a trama se desenrola.
Ela entrevista duas garotas que contam absolutamente tudo que fazem e sentem como prostitutas, enquanto Anne (Binoche) as humaniza e as aproxima de si. São meninas para sempre marcadas pela opção que fizeram e se acham menores que a maioria das mulheres. "Posso ler Flaubert, Proust, mas nunca serei como você" - uma delas diz.
Mas Elles é um filme sobre a sexualidade masculina, contada a partir do feminino. É tudo para falar deles, o quanto podem ser hipócritas nas escolhas dos próprios prazeres dentro e fora do casamento. Não é um julgamento da prostituição em si colocando-a como tema central.
A partir do envolvimento de Anne com as garotas, ela balança sua vida pessoal. Enquanto para ela novas interrogações surgem para o seu casamento, para seu marido fica cada vez mais claro que a mulher está alterada por causa do artigo que escreve e que tão logo ela se livre dele, tudo voltará ao normal. Na concepção dele, "todo homem procura puta" e "puta é puta". Na dela, completamente envolvida pelas histórias, não é bem assim, e se todo homem procura puta, alguma responsabilidade por isso o casal tinha.
Enquanto o dia passa, mais aflita e irritada ela fica, enquanto lida com assuntos domésticos a cabeça ferve e quando o marido chega em casa no fim do dia, ela está a ponto de explodir.
E depois de tudo, a cena do café da manhã é angustiante, por mais transformada que ela possa estar, a mudança não conseguiu chegar no casamento, que parece permanecer inquebrantável, morno, vazio, confortável, seguro, exatamente como antes. 


A montagem é bem sacada, segura o filme sem deixar ficar monótono. As cenas do dia em que passa escrevendo e cozinhando são intercaladas com as cenas das entrevistas em dias distintos e com cenas da vida de cada uma das garotas.
A atuação de Juliette Binoche é sutil, são pequenos movimentos da boca e do corpo que transmitem por exemplo, o desconforto da personagem enquanto uma das garotas conta quem são seus clientes. Conseguimos ler seus pensamentos. Ou o constrangimento curioso enquanto uma delas marca um encontro na sua frente, a atriz domina a arte e está linda e talentosa como sempre.



segunda-feira

Bem Amadas, 2012 de Christophe Honoré




Bem Amadas (Les Bien-aimés) é um filme para rever e rever no cinema. Tão cheio de símbolos, o novo filme de Christophe Honoré tem mãe e filha trabalhando juntas. A eterna belle de jour, Catherine Deneuve e sua filha Chiara Mastroianni são mãe e filha na ficção. Mais que tudo, é um filme sobre essa relação tão forte e profunda que começa no parto e não termina nunca mais.
A vida corre intensamente para cada uma dela, são mulheres que vivem seus amores, seus momentos com grande verdade, cada uma no seu tempo, em sua própria vida, mas o elo entre as duas permanece intacto, cúmplice.


"Se Roger Vivier não tivesse criado sapatos para a Dior, minha mãe não teria virado puta". Apaixonada por sapatos, a personagem de Deneuve trabalha na loja do lendário fabricante na Londres dos anos 60 e, sem querer, um dia percebeu que dormir com alguns homens poderia lhe render os pares que tanto amava. Resolveu ser puta meio período. Conhece o amor de toda sua vida e aí o filme começa!
Os homens do filme são intensos, cada um a sua maneira. Quando um homem ama uma mulher de verdade, ele ama a alma, é muito maior que qualquer sentimento mundano, ou qualquer atitude corriqueira. É tão emocionante! É um amor como em Divinos Segredos.
A filha de Marcelo Mastroiani é linda. Seu relacionamento com Milos Forman, seu pai no longa, é alegre, vivo e cheio de carinho. "Você não foi imprudente, você foi corajosa. Ser corajoso é fazer algo sabendo que pode não dar certo".


E para terminar, Les Bien-aimés fala de liberdade. Não no sentido senso comum, de não ter amarras, de poder ir e vir sem ter que prestar contas. Fala da liberdade no sentido mais sutil: ser livre de si mesmo. Estar aberta para o mundo, se perdoar, se deixar sentir, sem personas...a verdadeira liberdade.



On the Road, 2012 de Walter Salles




On the Road, o novo filme de Walter Salles é sedutor, comovente, triste, forte, realista e justificadamente longo. Haverá quem vai dizer que o longa se arrastou, mas acredito que foi a forma que o diretor encontrou de deixar transparecer a passagem do tempo, um tempo curto demais para artifícios de maquiagem e longo suficiente para que uma turma de jovens possa crescer.
O filme é a adaptação do livro homônimo de Jack Kerouac, clássico da literatura beat. Nos anos 40 três amigos estão em busca da arte, da vida e de si mesmos. São meninos apaixonados, que cruzam os Estados Unidos de cabo a rabo várias vezes, encontrando e conhecendo pessoas que de alguma forma vão transformá-los.
A narrativa é o ponto de vista de Sal Paradise. Odiei profundamente saber que no livro a motivação dele para correr o mundo é um divórcio e no longa é a morte do pai. Entendo que para o cinema dá maior dramaticidade e maior capacidade de transformação do personagem, mas prefiro a realidade. Um divorcio é doloroso o suficiente para fazer alguém sair em busca de autoconhecimento e um pouco de aventura. Nem tudo em nome do cinema quando se está adaptando um livro!
Se tivesse lido o livro estaria irritada no cinema, mas para quem não leu o longa funciona muito bem, adorei assistir. Fico feliz de ver o olhar tão peculiar de um brasileiro sobre outro país, as imagens do interior americano, a música folk, aqueles caubóis empoeirados de Denver...
Eram o exemplo da contracultura. Sal, registrando tudo em caderninhos carregados nos bolsos, esperava o momento de escrever seu tão esperado livro. Só conseguiu fazer depois do último encontro com Dean Moriarty, quando a história deles fecha seu ciclo. Carlo Marx sofrendo pela paixão não correspondida traça outros caminhos. E Dean, o garoto que mais precisa de colo é o mais rebelde e apaixonante. Faz todos seguirem aquele coração alegre e tão cheio de vida, que esconde uma carência profunda de pai, essa que talvez seja o motivo que o impeça de assumir a própria condição de pai.
De todo modo é bonito ver como os jovens se questionavam antigamente. Esse querer entender crescia cedo neles e a vontade de conhecer o que tinha do outro lado do conforto da família resultava em  gerações mais cheias de conteúdo.
O sentido da existência, alguns conseguem encontrar, para outros a vida será sempre uma profunda questão. Saber o que fazer com essa falta de sentido é o que nos faz seguir em frente. Sal Paradise escreveu.
Saí do cinema lembrando das pessoas que passam pelas nossas vidas, significam muito, mas depois vão embora para que possamos tê-las dentro de nós.



sexta-feira

Quando sopra o vento norte, de Daniel Glattauer





Quando sopra o vento norte é um livro gostoso de ler. Desses que se devora em uma semana, porque quer saber onde aquilo vai dar.
Emmi brinca com o perigo desde as primeiras linhas, se joga numa aventura achando que está sob controle. Quando percebe que não, já colocou em cheque toda uma vida.
Ela quer cancelar a assinatura de uma revista por e-mail, mas por errar uma letra no correio eletrônico da editora, começa a se corresponder com um desconhecido. Por ele se apaixona e vivem um romance completamente inusitado.
A linguagem é descontraída como a da internet, no início o estilo de escrita em tópicos de e-mails, com assunto, fowards e etc não me agradou nada, mas logo já estava ignorando esses detalhes e pulando diretamente para as mensagens.
O livro do alemão Glattauer foi uma boa indicação da Lud, que escreve o blog http://ludludlud.blogspot.com.br/ lá do Canadá. Ela leu em francês, o livro foi traduzido em 32 línguas e quando fui pesquisar aqui no Brasil descobri que ainda não tínhamos tradução, trouxe de Portugal. A capa portuguesa é horrorosa, prefiro a francesa, e ler numa língua onde os coloquialismos são outros não é tão bom, mas...para quem é ansiosa como eu, o livro pode ser encomendado nas livrarias e demora um pouquinho para chegar. Vale a pena!


Para Roma, com amor - 2012 de Woody Allen




Nosso querido Woody Allen segue fiel ao seu velho hábito de lançar um filme por ano. Depois de chegar a conclusão de que ele está deixando de ser aquele diretor alternativo, que ninguém entendia muito bem, e está se tornando um cineasta pop, sigo relembrando o longa.
Um parêntese: de qualquer forma nivelar roteiros por cima é ótimo, se nosso pop evoluir para isso vou estar feliz. Só não vale começar a fazer alianças políticas demais e se vender, como diz o personagem do Alec Baldwin - Isso as vezes acontece!
Em primeiro lugar, Para Roma... não é incrível como Vicky Cristina... e nem uma obra de arte como Meia Noite em Paris, mas é um filme que vale a pena!
Além de voltar a atuar como um americano neurótico que a gente tanto conhece, Allen faz boas críticas sobre o mundo das celebridades instantâneas, debocha dos tapetes vermelhos e das relações superficiais.
São quatro histórias paralelas, todas ambientadas em Roma. O diretor segue firme e forte no seu tour de filmagens pela Europa e prestando verdadeiras homenagens às cidades que decide filmar. É quase um institucional se não tivesse sempre um roteiro bem amarrado e diálogos inteligentes. Mas até panorâmica da Piaza de Espanha o filme teve direito. Passando pelas ruínas da cidade que todo mundo conhece, Allen deu prioridade para as ruelas típicas da cidade. Homenageou os grandes tenores de forma bem humorada e o cinema de Fellini.
Usou o nonsense para falar da chatisse das celebridades instantâneas que tanto dão ibope nos dias de hoje, quando a industria se preocupa em saber amenidades sobre a vida particular dos outros. Roberto Benigni está hilário no papel do simplório homem de classe média que da noite para o dia fica famoso sem entender porque. E depois, quando a imprensa muda o foco ele já ficou viciado na fama.
O alter ego do garoto de Jesse Eisenberg, vivido pelo Baldwin é o ponto de vista do diretor, que se coloca nitidamente em vários momentos, inevitável.
A pequena Ellen Page faz uma (sexy?) atriz em crise porque vive uma vida tão pobre, se relaciona com o mundo de forma tão superficial que não pode ser diferente. Adoro Woody Allen por isso, ele tem uma visão tão clara da sociedade do seu tempo e a critica de forma tão ácida e descarada, que não tem como não sair de casa para ver qualquer filme seu.
E só ele, gênio e despreocupado que é, critica o título do próprio filme e conta que teve de mudar para algo assim, simplório, porque simplesmente as pessoas não entendiam o título original: Bob Decameron - Nem na Itália as pessoas sabiam quem era Decameron. Conta-se que disse o cineasta, meio abatido.

É...como eu digo, são tempos difíceis!

quarta-feira

Mundo atual



Você é famoso? Tem amigos influentes? Saiu na mídia nos últimos meses? Então você tem grandes chances de ter muitos amigos ao seu redor.
É assim que tenho visto as pessoas se relacionarem. A amizade está cada vez mais relacionada ao grau de prestígio que a outra parte pode oferecer. Ir na casa dos amigos tomar cafezinho é piegas, tricotar assuntos de cozinha, nem pensar! Falar da educação dos filhos só na terapia, na mesa do bar são só os últimos acontecimentos quentes, e de repente você percebe que ninguém está escutando ninguém.
Aquele querer bem sem compromisso anda escasso. As pessoas estão cada vez mais despudoradas na escolha de quem vai conviver, deixando para trás valores simples da vida cotidiana, da amizade sem nada em troca. Puxam o saco de quem é influente de forma assustadora na mesma medida que desprezam quem não tem prestígio.
Círculos cada vez mais vazios e cheios de pose, falta assunto para as pessoas e vêm com conversa furada de que andam muito cansadas e ocupadas para papos cabeças. Conversar sobre um mero romance virou papo cabeça, imagina conversar sobre Dostoievski. Sobre quem? É melhor não perguntar em voz alta. Alías quem lê Dostoievski é cult, já ouviram isso? Mata-me depressa, esse mundo está perdido....Estamos de volta.

quinta-feira

Hell, direção de Hector Babenco




Não sei como demorei tanto tempo para assistir Hell no teatro. E como demorei tanto para escrever sobre ela.
Quando vemos situações muito brutais, precisamos de tempo talvez.
Barbara Paz termina a peça visivelmente arrasada. Fui no final da temporada e imagino quão desgastada estaria a atriz depois de encarnar a personagem por tantas vezes.
Ela não traga, mas acende por volta de quarenta cigarros durante o espetáculo, fala com uma pressa que nos deixa sem entender muitas vezes o que ela está tentando dizer, como se tivesse cheirado tanta cocaína que nunca mais teria paz naquele corpo e naquele espírito, tão devastados.
Assim é sua personagem. Adaptada do livro de Lolitta Pille, que escreveu o livro em 2003 aos 21 anos, Hell é pseudônimo da autora. Ela nos conta a rotina de uma jovem aristocrata parisiense, viciada em álcool, drogas e compras de luxo. Enquanto isso vamos vendo a degradação de uma mulher vazia, sem capacidade de ter qualquer empatia com quem está ao seu redor, tamanha a individualidade.
Ela ama um homem. Esse homem é sua versão masculina, rico, com uma vida também vazia e fútil. São escravos de si mesmos e da condição por eles imposta. Se amam de verdade, mas são tão focados em si, são tantas máscaras que usam para sobreviver naquele mundo que criaram em volta, que não conseguem trocar nada. Nem sequer conseguem admitir para eles mesmo que estão apaixonados. Por puro medo de serem desprezados. Vivem no limite.
Pille escreveu o livros nas madrugadas que perambulava por Paris, enquanto vivia na pele os mesmos dramas da sua personagem. Na verdade não sabemos até onde é realidade ou ficção.
O final é chocante, não tem esperança. Acho que é o pior de tudo, a falta de esperança. Saímos do teatro sem condições de falar muito. Demorei alguns dias para me livrar daquele sentimento sombrio e poder falar de longe.
É uma enorme e visceral denúncia da hipocrisia de uma geração. É a constatação da realidade de muita gente, que tem a vida exatamente como a dela. Não foi a toa que a menina chocou a sociedade parisiense quando soltou a bomba nas livrarias. Ela tirou a máscara.



quarta-feira

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, 2012 - de Beto Brant e Renato Ciasca





O filme é de Camila Pitanga. Filme de atriz, já que ela arrasa na atuação, verdadeira, intensa, complexa. O que vemos na tela é uma atriz de várias nuances, que vai da menina inocente à mulher traumatizada, da sexy à louca em um único trabalho. Completamente abduzida pela personagem, Camila está incrível.
Adaptação do livro homônimo de Marçal Aquino, Eu Receberia... nos envolve, os planos sequência dão mais valor ainda às interpretações, que é, definitivamente, o ponto forte. Mas, como adaptar um livro para o cinema é talvez o maior desafio da sétima arte, sinto problema no roteiro. Ainda não li o livro, é claro que sempre terá mais detalhes, no longa faltou informação.
O foco foi o triângulo amoroso vivido por Lavínia (Camila Pitanga), mulher misteriosa, a quem vamos conhecendo aos poucos, Cauby (Gustavo Machado), um fotógrafo forasteiro que está morando na cidade e Ernani (Zé Carlos Machado), um líder e pastor evangélico que salvou Lavínia das drogas e da prostituição e se casou com a moça. O pano de fundo é o desmatamento da Amazônia numa cidade ribeirinha, onde a população luta para preservar suas terras e a natureza. E aqui chegam as perguntas: É essa luta que tira a vida do marido traído? Por ele se envolver demais em assuntos que não lhe dizem respeito? O colunista social trai o amigo por pressão dos malfeitores que querem Ernani menos engajado nos problemas sociais? Por que os dois índios fotografados no início do filme? Por que Lavínia diz para Cauby que tem medo do que pode acontecer se seu marido no fim das contas compreende e aparentemente perdoa sua traição?
É um triângulo onde quem destrói a vida de cada um são terceiros... que nada teriam contra a relação dos três. Se Brant quis passar a idéia de que em algumas cidades ainda se limpa a honra de maneira primitiva, não foi por aí. Faltou a ligação entre o triângulo amoroso e as mortes, o entorno.
Quero ver novamente, aliás preciso ver novamente. Gosto tanto das interpretações, as tomadas e direção de arte têm tanta qualidade que preciso achar um sentido para o longa. Esperei tanto por ele, quem sabe depois de uma noite de sono as idéias se organizem melhor?




terça-feira

De verdade, de Sándor Márai (Cia das Letras)




Cresci ouvindo a frase: "Toda história tem três versões, a minha, a sua e a verdadeira". E também já li um dia: "O professor só aparece quando o aluno está pronto". De verdade de Sándor Márai é a síntese dessas duas frases.
Trata-se de um casal que se separa e do motivo desse casamento não ter dado certo. Esse motivo é uma mulher por quem Péter sempre foi fascinado. Num café de Budapeste Ilonka conta para uma amiga porque acredita que seu casamento falhou, confessa seu amor por um homem a quem nunca teve acesso e todas as tentativas para conseguir chegar no coração dele.
Num segundo momento, esse homem conta para outro sua visão da vida, do casamento falido e dessa mulher, Judith. É nessa visão que o livro se torna brilhante. Nitidamente, Márai se coloca ali. É no ponto de vista do homem que ele faz o maior exame da própria consciência e descortina a burguesia como classe social. Fala da relação entre as classes sociais, desvenda a cabeça do pobre, do rico e consegue chegar no ponto de nos fazer entender onde começa a misantropia numa sociedade desigual. Onde as relações se corrompem. Como podemos ser extremamente mal interpretados quando o outro tem tantos recalques.
Por fim, conhecemos a razão de Judith. Essa mulher durante muitos anos foi empregada na casa dos pais dele. Mulher sofrida, mas que de alguma forma ficou amarga quando interpretou mal todo o acolhimento que teve na casa. O autor nos diz ali, naquelas páginas desprovidas de metáforas e eufemismos, que alguém que viveu na miséria, pode ser incapaz de receber, incapaz de aceitar um gesto de amor. É como se a miséria grudasse na alma, no intelecto. Deve ser uma luta entre querer amar e se sentir merecedor desse amor.
Há tempos não lia verdades. Sabe quando alguém senta na sua frente e diz tudo que pensa de você, das pessoas, da vida, e o que você ouve não é muito confortável?
O autor escreveu esse livro ao longo de quarenta anos. De verdade foi publicado em Budapeste no início dos anos 40. Judith e a fala final foi escrita em 1979. Dez anos depois o autor se suicidou em San Diego, na Califórnia.

O livro ainda conta com a visão de um outro confidente de Judith, já em NY. Mas a meu ver ainda é o universo de Judith, dentro da versão de Judith. Acredito que é o autor ainda querendo dar seu ponto de vista final sobre a sociedade do consumo, a superficialidade das pessoas que brota da avidez pelo dinheiro.

quarta-feira

Grata descoberta


: - )

Há meses atrás descobri as estatísticas do blog. Adoro a internet, mas não sou uma conhecedora das artimanhas e ferramentas da rede. Procurando entender como tudo isso funciona, descobri que além do Brasil, tenho leitores em países como Estados Unidos e Canadá, passando pela Rússia e Alemanha. Países onde nunca imaginei que pudessem estar acessando meus escritos como Ucrânia e Reino Unido também fazem parte dos leitores.
Conversando com amigos sobre a minha descoberta, um deles me sugeriu - escreve dando um alô para esses leitores. E apesar de ter gostado da novidade, demorei para escrever. Me perguntava se ainda conseguiria sabendo que agora todo mundo pode ler o que escrevo. Como se não soubesse que uma vez na rede, nada mais é privado, saber que de fato pessoas estão escutando o que você diz, te faz parar um pouco para pensar, antes de escrever, coisa que não me deixaria nada contente. Gosto e quero escrever livre. A ambiguidade do público e privado da internet talvez sempre será para mim uma faca de dois gumes.
Porque esse espaço começou como um lugar onde eu pudesse deixar registrados pensamentos sobre o mundo, sobre as coisas de que gosto, ao invés de escrever em qualquer folha em branco, espalhar papéis pela casa, e perdê-los pouco depois. Reuni-los aqui, organizou minhas idéias, posso voltar no tempo para saber como pensava há alguns anos atrás. E saber que do outro lado do mundo pessoas se identificam de alguma forma com o que escrevo me deixou muito feliz.

sexta-feira

Heleno, 2012 de Jose Henrique Fonseca




"Eu não sou um jogador de futebol, eu sou a vontade de jogar futebol, eu sou a gana!" Assim Heleno de Freitas se define. Se a intenção foi fazer um filme que angustia, José Henrique Fonseca acertou a dose. Rodrigo Santoro mais uma vez mostra que é um baita ator. Aquele rostinho lindo de galã que ele tem facilmente se transforma quando o personagem exige. E Heleno exigiu, muito. Porque esse homem teve a personalidade mais forte que já vi na vida, o gênio mais difícil de todos os homens.
A agressividade é uma característica positiva, nos torna realizadores. Pessoas muito pacatas tendem a ser submissas na sociedade, não saem muito do lugar e facilmente são pessoas nada ousadas. Mas além de tudo o rapaz era teimoso, e assim cavou a própria cova.
Ele se sentia incompreendido. Tenho a sensação que foi alguém que viveu e morreu incompreendido. Ninguém chegou no seu coração, provavelmente ele nunca deixou. Buscou a verdade das coisas, não admitia a hipocrisia e por isso quis arrancar as máscaras que as pessoas usam para conviver. Ódio brutal às personas. Entendo o rapaz.
Gostei da direção, segura. Santoro rouba as cenas. Fotografia linda do Rio de Janeiro dos anos 40. Figurino impecável. E em preto e branco, pontos para quem teve a idéia. E não, não acho que teve interferência de O Artista. Foi bola dentro e parabéns para o cinema nacional.



quinta-feira

As Neves do Kilimanjaro, 2011 - de Robert Guédiguian





As Neves do Kilimanjaro foi baseado no poema "Os Pobres" de Victor Hugo. Gostaria de escrevê-lo aqui. Morri de procurar o poema na internet, mas como a rede não costuma ser tão fértil para assuntos desse tipo, não consegui achar. Creio que se tivesse procurado os últimos escândalos nacionais estariam todos lá, nas primeiras páginas do Google.

Bem, o filme é lindo, fala da maior de todas as virtudes que é ter um coração puro, amar, fazer o bem. Fazer o bem quando ninguém está te olhando, ação desprovida de vaidade ou necessidade de reconhecimento.
Nos faz pensar também em como um acontecimento pode ter significados completamente diferentes para cada pessoa, despertando em cada uma sentimentos opostos, tantos pontos de vista tão cheios de razões em si.

Também é emocionante ver o casamento entre aqueles dois personagens. Casamento no sentido de serem cúmplices, companheiros. Se conhecerem ao ponto de saber que o outro vai concordar incondicionalmente com o que o parceiro está fazendo em segredo. Relações de verdade, que não costumam acontecer tão facilmente hoje em dia. Relações onde se enxerga quem está do seu lado, consegue dar para o outro o que ele precisa alguns segundos antes que ele peça. Coisas que hoje em dia são vistas como romantismo, mas que nas relações de verdade são a base para que o casal consiga existir como casal.

Filme para guardar no coração para os dias que precisamos de esperança.





segunda-feira

SHAME, 2012 de Steve McQueen





Até onde conseguimos esconder de nós mesmos nossos fantasmas? Escondido em Nova Iorque, um homem tenta levar a vida sem interferência externa, fechado num mundo impenetrável. Até reaparecer na sua casa, a irmã que ele tenta esquecer.
SHAME é um filme triste. Um tema nada recorrente. E nos faz pensar sobre a solidão de quem não tem coragem de aceitar seus problemas, suas limitações e traumas. Fugir sempre é a forma mais fácil.

Gosto muito da versão de Carey Mulligan cantando New York, New York. Tão solitária, desvenda a solidão do irmão. Duas almas em busca de redenção.






quinta-feira



Estou cansada dos politicamente corretos, pela falta de autenticidade,
cansada dos falsos amigos, pela perda de tempo que geram em nossas vidas,
cansada dos puxa-sacos, pela falta de autoestima,
cansada de gente burra, que nao fica calada em vez de dizer bobagens.

Ainda estou cansada de quem manipula os amigos, por que nao confia na sua própria capacidade de ser amigo,
cansada de quem não toma atitudes, porque tem medo de decidir,
cansada de quem tanto fala dos outros e não consegue olhar pra si mesmo.

As pessoas estão parando de falar o que pensam porque não tem coragem,
e muito porque não pensam,
ficou mais fácil parar de pensar hoje em dia.





sexta-feira

Cadê meus livros e meus filmes?



Ultimamente ando de saco cheio de tudo que ando vendo pela frente. Será uma entresafra de gostos, fase de autoconhecimento? O fato é que comecei a ler Sangue, ossos e mateiga, uma autobiografia de Gabrielle Hamilton, contando um pouco da sua vida e da construçao do Prune, restaurante que ela tem no East Village em NY. Adoro comer, adoro beber, mas não tive paciência para tanta descrição gastronômica, deixo isso para os chefs. O livro não me pegou.
Depois engatei o Museu da Inocência. Com esse nome é de se esperar um livro incrível, avassalador. Bem, se trata da fossa interminável de um rapaz na Turquia que nos anos 70 embroma sua noiva porque se apaixonou pela prima e não consegue assumir a paixão. Ele conta a ladainha diária de quem só gostando muito de ficar deprimido aguenta. Eu já teria virado a página há muito tempo! Com boa vontade, tem todo o pano de fundo do país naqueles anos, toda aquela hipocrisia social, virgindade feminina, e tal, mas vira pano de fundo mesmo, comparado a tanto detalhe dos tormentos do rapaz. Queria demais saber o final, afinal me arrastei até a metade da bíblia que tem 600 páginas. Pulei capítulos e comecei a sacar que no fundo o livro é bem machista e a moral da história iria me irritar. Resolvi deixar mesmo de lado.
E por último fui assistir à Pina, do Win Wenders. Documentário sobre a coreógrafa que eu estava louca para assistir quando nem ainda sabíamos se ele viria para o Brasil.  Admiro a coreógrafa e sou fã do cineasta, mas fui acometida de um sono incontrolável no cinema. Inédito, acho que nunca aconteceu. Ou o filme é tão arrebatador que meu coração nao ia aguentar e meu cérero para se defender me fez dormir, claro, precisamos ser otimistas, ou eu não gostei mesmo.
Enfim, continuo minha eterna busca pelas obras da minha vida, contando que logo logo essa fase passe e eu volte a descobrir meus livrinhos bons.
Quem sabe alguém aparece para dar boas dicas!

quinta-feira

Raul - O início, o fim e o meio - de Walter Carvalho, 2012


Pare o mundo que eu quero descer...




Em momentos como esses, assistindo a vida de Raul Seixas, me parece que não é uma questao de escolha viver uma vida responsável, dentro do que é considerado normal na sociedade, quando vc tem uma força maior que te move. Uma inquietaçao, eterna busca inconformda de nao sei o quê. Para quem falta respostas demais, uma vida normal não basta, não é? Há quem queira experimentar todas as possibilidades.
Existem pessoas que de fato estão abertas para o mundo, e Raul foi uma delas. Quando acordou nunca mais quis fechar os olhos, precisou expressar sua voz, ele cantava o que vivia. Usou drogas para fugir do sofrimento inirente que brota do coração de quem faz uma arte tão verdadeira e visceral ou para viver num eterno estado de criação e vibração elevada que surgia quando estava sob o efeito daquilo tudo?

O documentário de Walter Carvalho é um filme honesto, não idolatra o ícone que foi Raul Seixas, pelo contrário, humaniza. Gostei muito do que vi!

sexta-feira

Filhos do meu carnaval

Durante essa semana lenta, quando grande parte das pessoas anseiam por diversão, optamos felizes por remar contra a maré. Viver a cidade tranquila não é para qualquer um e principalmente a qualquer hora. São Paulo ferve, a todo instante, e poder ver suas ruas vazias é um grande privilégio.
Escolhi dois livros pequenos e rápidos para esses dias, uma leitura leve e descompromissada. A dramática e hilária Martha Medeiros, de quem já sou fã, e uma novidade que foi o escritor Alessandro Baricco.




De Barrico li "A paixão de A". Uma história bonita sobre a perda da inocência de quatro garotos, amigos adolescentes que vivem em Turin dos anos 70. Religiosos, tocam no coral da igreja, acreditam que vivem a vida correta, a exemplo de seus pais. Até surgir a garota que vai abalar as estruturas da turma e cada um, do seu jeito, vai viver a passagem para a vida adulta, enfrentando seus fantasmas, seus medos e descobrindo que aquela vida, vivida até então, não era nada comparada a vida real, quando nossos pais não podem mais exercer o papel de grandes protetores, porque já sabemos coisas demais. Eles vão perceber a relatividade das coisas, e que o certo e o errado, já não parecem mais fazer sentido.

Dois detalhes, me incomodaram um pouco, a escrita, construção do texto, será a tradução? Outro, é a sensação de que os garotos são muito novos para tamanha percepção da vida. O livro é narrado por um deles. Talvez um narrador onisciente causasse menos estranhamento.



"Temos uma confiança cega em nossos pais, o que vemos em casa é o correto e equilibrado andamento das coisas, o protocolo daquilo que consideramos uma sanidade mental. Adoramos nossos pais por isso - eles nos mantêm protegidos de qualquer anomalia. Assim, não existe a hipótese de que eles, em primeiro lugar, possam ser uma anomalia."

"Ele queria dizer que, na ausência de sentido, ainda assim o mundo acontece, e naquela acrobacia de existir sem coordenadas há uma beleza, até uma nobreza, às vezes, que nós não sabemos - como uma possibilidade de heroísmo na qual nunca pensamos, o heroísmo de uma verdade qualquer. Se reconhecer isso, com seus olhos, ao fitar o mundo, mesmo uma única vez, então está perdido - agora existe outra batalha, para você."





De Martha Medeiros li "Fora de Mim", em que ela conta de forma cômica, o trágico fim do relacionamento de sua personagem com um grande amor impossível.
A autora é debochada, o que torna o livro, que poderia ser um melodrama, extremamente gostoso e fácil de ler. É nossa eterna busca pelo amor, mesmo quando sabemos a quilômetros de distância que não devemos entrar de cabeça, fazemos até pose e sim, pulamos, de cabeça, é claro. De olhos bem fechados, para não ver onde tudo vai dar, ignorando aquele sexto sentido, vamos até o fim, viver cada uma das nossas histórias. Não somos assim?



"Você não me enganou, eu é que adorei enganar a mim mesma. Sem estar preparada para nenhuma espécie de emoção forte, de repente me vi enredada por uma minissérie de tevê daquelas que costumam ser escritas por um autor alternativo, histriônico, independente, do tipo que tem a pretensão de 'renovar a dramaturgia brasileira' e aposta no nonsense. Eu me deixei levar por tudo o que não era eu, ou deveria ter sido eu, porém uns trinta anos antes."

"Ainda assim, ela era linda de morrer. Os olhos combinavam com o nariz, que não destoava da boca, que se alinhava de forma sublime com o queixo. Tudo era de uma proporção que faria Michelangelo pedi-la em casamento. Mas faltava o charme da descompostura, o olhar verdadeiro de algumas noites maldormidas, (...), uma desordem que a personalizasse. Ainda assim, entendi sua atração por ela. Era um belo cartão-postal de mulher."

quinta-feira

Homenagem ao cinema no Oscar 2012




O ano de 2011 parece fértil para o cinema norte-americano. Depois de filmes medianos, sem muita expressão, vai viver a festa do Oscar 2012 com há muito não se via. O artista e Hugo, são dois concorrentes de deixar qualquer jurado numa sinuca de bico.
O artista é o clássico cinema mudo em preto e branco dos anos 20. É um filme de produção franco-americana, que presta grande homenagem a Hollywood, berço do cinema americano. O longa conta a história de George Valentin (Jean Dujardin), um astro do gênero enfrentando uma crise após a chegada do cinema falado. Orgulhoso, vê sua carreira desmoronar, acaba obsoleto e deprimido. Apaixonada pelo ator, a estrela do momento Peppy Miller ( Bérénice Bejo), tenta resgatá-lo do anonimato e trazê-lo de volta para o cinema.
O filme é pura nostalgia, apaixonante, o roteiro nos envolve completamente de tão bem amarrado. E Jean Dujardin, que concorre a melhor ator pelo filme, faz o papel divinamente, com ar sedutor, típico dos grandes galãs do cinema.
Em Hugo, apesar de não sairmos da sala tão arrebatados emocionalmente como em O artista, Scorsese faz uma apaixonada homenagem à História do cinema, trazendo George Meliés, figura fundamental na sua criação, como personagem do filme. Reproduz na telona imagens das primeiras películas dos irmãos Lumière e nos faz pensar na importância de preservar os grandes clássicos como documento histórico.
Os filmes de Michel Hazanavicius e Martin Scorsese foram os que receberam mais indicações ao prêmio do próximo dia 26, dez e onze respectivamente. Não por acaso são filmes que nos fazem refletir sobre o papel do cinema nos dias de hoje. Quem sabe não é uma inquietação que vem de uma vontade de fazer melhor, de uma indústria que sabe como ninguém fazer cinema, mas que precisava se reinventar?
O cinema estrangeiro, como europeu, iraniano, argentino, cinemas fora do contexto americano, crescem, com roteiros excepcionais ganham público e status. De alguma maneira vêm contribuindo para o cinema de modo geral, nivelando o público em outro nível, propondo o cinema como obra de arte e não apenas entretenimento barato. Espero que esse caminho não se perca, e essa onda criativa se renove pelo próximos anos.





terça-feira

Fogo - Diários não expurgados 1934-1937, Anais Nin (Ed LPM)



A impressão final ao ler os diários de Anais Nin é de estar diante de uma mulher rara. Mulher que nunca teve medo de olhar o mundo de frente, leal a si mesma e aos próprios sentimentos. Ousada para seu tempo e também para os dias de hoje no que diz respeito as relações de amor. Foi casada com um homem a quem amou, devotou um sentimento de gratidão eterna. Da maneira dela, foi leal a esse casamento. Era como se ali ela tivesse o pai, o Deus, o homem para quem ela pudesse sempre correr. Hugh Guiler foi seu verdadeiro porto seguro. Mais tarde, estando ainda casada com ele, casou-se com Rupert Pole e teve o casamento anulado por questões legais. Paixão de alma ela sentiu por Henry Miller, de quem foi amante por uma vida, e conviveu a maior parte do tempo. Passaram por crises, e nesses momentos ela encontrava novos amantes.
A vida comum era pouco para a autora dos diários, ela queria mais, queria viver apaixonada, sentindo a vida pulsar nas suas entranhas, nem que para isso ela mentisse compulsivamente. O que importava era que estava em busca 'de ser feliz', e não há mentiras injustas para quem busca ser feliz. Ela queria ser fiel aos seus sentimentos. Mentia porque não queria magoar quem amava, e só depois da morte do marido, os diários foram publicados na íntegra. 
Anais Nin buscou o amor incessantemente. Ela queria por a prova todas as nuances da sua personalidade e cada relação proporcionava seu contato com uma parte de si. Amante da psicanálise, procurou pessoas que a estimulassem intelectualmente e mantinha essas relações até esgotar toda aquela sede de se entender, de se libertar emocionalmente. Então voava para outras paragens, encontrava novas pessoas, estabelecia tantos contatos quanto sentisse necessário, para continuar apaixonada, para continuar achando graça na vida.
Fogo, o terceiro volume, relata o período de 1934 a 1937, quando ela vai para a América, tentando fugir do seu casamento e da relação com Miller. Se envolve com o psicanalista Otto Rank, discípulo de Freud, autor de O trauma do Nascimento. Mas logo, desiludida, volta para a Europa, onde vai se apaixonar perdidamente pelo peruano Gonzalo Moré.
Escrito no calor do momento, temos acesso as suas artimanhas, o que pensava por trás de cada mentira, suas tentativas desesperadas de não magoar quem amava, Fogo deve ser lido como uma confissão corajosa. Provavelmente nem seus analistas tiveram acesso aos seus mais profundos e sinceros pensamentos.












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