terça-feira

Melancolia, 2011 de Lars von Trier



Astronomia
As.tro.no.mi.a
sf (astro2+nomo3+ia1) Ciência que se ocupa da constituição e do movimento dos astros, suas posições relativas e as leis dos seus movimentos. A. esférica: ramo da Astronomia que trata principalmente de problemas relacionados à esfera celeste. A. física: a que estuda as condições físicas dos astros; o mesmo que mecânica celeste. A. matemática: a que trata do cálculo das forças que atuam sobre os astros. A.náutica: conhecimento da posição e movimento dos astros aplicado à navegação. A. sideral: parte da Astronomia que se ocupa das estrelas.


astrologia
as.tro.lo.gi.a
sf (astro2+logo2+ia1) Pretensa ciência de predizer o futuro pela influência dos astros. A. judiciária ou mundana: parte da astrologia que tem por fim predizer o futuro das nações e dos indivíduos. A. natural: parte da astrologia que prediz os fenômenos da Natureza, como mudança de tempo, secas, tempestades, vendavais etc. A astrologia teve muita voga entre babilônios, egípcios, gregos, romanos etc. e ainda na Europa medieval e moderna, até o século XVII, tendo ainda hoje muitos cultores.


(as definições foram tiradas ipsis litteris do dicionário Michaelis da língua portuguesa) 







Não é a toa que Cannes ficou entre "A árvore da vida" e "Melancolia" para vencedor da Palma de Ouro desse ano, os dois filmes têm alguma coisa em comum além de serem duas obras que se tornarão clássicos do cinema e que não tiveram seus títulos traduzidos para algum nome estapafúrdio como acontece por aqui. Tanto um quanto o outro nos diminuem, no sentido literal, como humanos, nos fazem pequenos diante do universo, um presente bem cabível para uma sociedade tão megalomaníaca que nos tornamos. Terrence Malick e Lars von Trier tentam nos mostrar o tamanho do mundo e quem sabe fazer chegar aos nosso ouvidos algo do tipo: menos, somos muito pequenos para tanto egocentrismo geral.
Melancolia é um filme sobre astronomia, chegando à ousadia da astrologia, quando nos obriga a ver que os astros influenciam nossas vidas, nossos ânimos, nossos encantos e desencantos. Nos livrando de preconceitos somos capazes de recordar, aceitar para alguns, entender para outros, que além de influenciar as marés, os bichos, as forças da natureza de um modo geral, os astros também podem e influenciam nossas forças humanas. Seria muita prepotência achar que somos tão evoluídos a ponto de sermos inertes a tais forças tão poderosas. Há quem insista em dizer que a personagem está deprimida porque sabe o que está prestes a acontecer. Para esses relutantes lembro que ela é bem enfática dizendo para a irmã que está em nervos - se você está pensando que estou com medo desse planeta idiota você deve ser muito burra! Portanto meus queridos céticos, é hora de acreditar que "há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia"e parar de achar que astrologia é apenas abrir os jornais e ler aquelas três linhas possivelmente inventadas, sobre o que vai acontecer no seu dia.
Para os que estão evitando os cinemas com medo do nome do filme, com medo de sair do cinema com a sua falsa eterna felicidade abalada, Melancolia é o nome do planeta que vai colidir com a Terra, e não o estado de espírito da personagem. O estado de Justine vai bem mais além da melancolia, a qual pode ser extremamente proveitosa para quem sabe o que fazer com ela, chega a beira da loucura com tamanha falta de força para viver.
Mas o mais bonito do filme, o mais mágico é a força que essa mulher tão deprimida encontra dentro dela para sair do seu mundo de sofrimento, que não deixa de ser um mundo focado em si mesmo portanto egocêntrico, e segurar a onda de uma família que está sucumbindo ao desespero. Dar esperança para uma criança apreensiva, acalmar seu coração, coisa que a própria mãe não consegue fazer. Quem tem coragem de chafurdar na depressão como ela fez, é a pessoa que vai ter coragem de sair dela quando precisam da sua mão, da sua força. É quem vai ter coragem de encarar a vida de frente, com todos os assombros de que estamos sujeitos.
O roteiro desse filme é excepcional! Enquanto "a árvore da vida" encontra uma historia simples para construir um filme poderoso, Lars von Trier encontra uma história meteórica para falar de sentimentos simples. E digo simples no sentindo de humanos, aviso desde já. As vezes precisamos aceitar nossas tristezas, nossa melancolia, para ressurgir delas mais fortes, mais vivos e preparados para a vida. Fazer de conta que somos eternamente felizes não nos faz mais fortes e capazes de viver bem, pelo contrário, só vive bem quem se conhece, e se conhecer inclui nos encontrarmos com nosso lado mais sombrio e obscuro.


Kirsten Dunst ganhou a Palma de Ouro em Cannes, 2011 interpretando Justine.

Mais algumas considerações sobre o filme:
A personagem da irmã dela, interpretada pela Charlotte Gainsburg me fez rir em algum momentos, mas aqui deixo registrado que é meu humor negro expressando sua vida, já que o desepero da mulher é verdadeiro. Na verdade ela chega a ser tragicômica, alguma coisa de histerismo.
A cena em câmera lenta de Justine andando "acorrentada" sugerindo a falta de forças para caminhar por conta da depressão é linda e super simbólica.
A câmera na mão do diretor é irritante, achei que não fosse conseguir chegar no final, mas ele se acalma no decorrer do filme. Ele não precisa de toda aquela tremedeira para dar sentimento ao filme, não mesmo!
A cada 73 mil anos Marte se aproxima da Terra, é um fenômeno corriqueiro do ponto de vista da astronomia. Mas enquanto via o filme, lembrava de uma história de pouco tempo atrás sobre duas luas no céu. Fui averiguar, claro, e de fato não estava sonhando. As pessoas estavam exagerando bastante, nunca seria possível ver duas luas no céu, mas em 2003 essa aproximação foi maior, o que oferecia uma oportunidade única de observação.




quinta-feira

A árvore da vida, 2011 de Terrence Malick


Tudo que se possa escrever sobre o novo filme de Terrence Malick jamais vai dar mensura para tamanha obra de arte. Tudo o que posso escrever ainda é pouco, ainda cabem muitas análises e interpretações. Sim, é um filme que nos faz sair mudos do cinema e com vontade de voltar e rever.
Idealizado por volta dos anos 70, o autor teve décadas a fio para internalizar o filme e o que vemos é uma extensão da sua própria voz, num limite tênue do que é auto biografia e ficção.
O filme me fez pensar em varias coisas. No início já nos questiona a fé. Uma mulher religiosa, que acredita em Deus piamente perde um filho e a partir daí se pergunta até que ponto esse deus existe e está olhando por nós. É uma família de classe média americana que vive nos anos 50, com um pai extremamente rígido que tenta passar valores de vida para seus filhos.
Malick usou imagens lindas e extremamente poéticas para contar toda a história, mas as imagens do início do universo, do início da vida e do planeta não costumam povoar as telas de cinema dessa maneira. Nos coloca, seres humanos, na nossa devida escala, somos nada, somos pequenos demais. Depois disso nos faz chorar escancarando os verdadeiros valores da vida, o que de fato é importante e que esquecemos, como as crianças brincando inocentes no jardim, o brilho do sol, o passeio de uma borboleta, nos fazem lembrar que somos mais uma parte de tudo aquilo que tínhamos acabado de assistir. É tão belo!
Num determinado momento o filme vai tomando outro rumo, e é quando percebo que é ali que o diretor conta sua história com o pai. Esse pai extrapola, vai percebendo que não conseguiu o que queria na vida, endureceu, perdeu a esperança; e a frustração fez com que exacerbasse nas cobranças daquelas crianças, querendo a todo custo que fossem adultos perfeitos, bem sucedidos e praticamente esquecendo todos aqueles valores tão simples com que foram criadas na infância mais remota. Ele passa do ponto. Depois sente remorso. É muito triste.
Todos se perguntam o tempo todo o sentido da vida; se algum deus existe porque coisas que nos fazem tanto sofrer acontecem? E se é tudo tão difícil e obscuro porque não começamos a procurar sentimentos menos efêmeros e começamos a dar importância para as coisas mais simples e duradouras da vida?
Uma relação entre pai e filho e as consequências dela na vida de um homem, "A árvore da vida" nos dá de presente muita coisa usando uma história simples. Isso é a prova de que é possível transformar histórias simples em filmes poderosos. Aliás começo a crer que filmes poderosos nascem justamente de histórias assim, que fazem parte do nosso cotidiano, que fazem parte da vida simples.


terça-feira

Doidas e Santas, de Martha Medeiros - L&PM Editores


Descobri o livro da Martha Medeiros muito sem querer, numa livraria que nunca costumo ir. Era tarde da noite, tinha saído de um restaurante e sabe quando fica aquela vontade de ainda dar uma volta? Enquanto meu marido saía em busca de "Os Pilares da Terra", esgotado na editora, nos sebos e no planeta, eu vagava sem rumo olhando as capas dos livros expostos alí.
De repente a pin-up da capa me chamou a atenção, quando li o título lembrei que já tinha ouvido falar nele e quando li um trecho de uma crônica nas costas do livro, aí decidi levar pra casa.
Leitura gostosa, rápida, dessas boas para levar na viagem, ler na sala de embarque e terminar quando chegamos no nosso destino.
Martha Medeiros me lembra Clarice Lispector escrevendo sobre coisas do cotidiano, assuntos e sentimentos triviais, desmistificando, escancarando, mostrando pra quem não quer ver e pra quem quer. São dos assuntos corriqueiros que ela cria suas crônicas. Da amiga geniosa, do filme que foi assistir e saiu estasiada, da educação dos filhos, dos livros marcantes, o que me renderam boas indicações, e de assuntos que ela concorda ou discorda. Tenho a impressão de que tudo nela pode virar texto, tudo é assunto pra trazer a tona. Escreve de um jeito honesto, com senso de humor, o que torna tudo mais gostoso.
Doidas e Santas é um livro leve, desses para ler entre atos, sabe como? Entre duas leituras poderosas, dessas que te deixam sem fôlego, tonta? Martha Medeiros te faz neutralizar a mente, abrir caminho para o próximo livro.


Alguns trechos comentados de algumas crônicas...

"A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal."
(Trecho do livro "Nas tuas mãos", de Inês Pedrosa que Martha cita na crônica "A separação como um ato de amor").

"... O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados.
Tão banal, não?
E no entanto essa banalidade é fomentadora das maiores carências, de traumas que nos aleijam, nos paralisam e nos afastam das pessoas que nos são mais caras. Por que a dificuldade de dizer para alguém o quanto ela é - ou foi - importante?" (Trecho de "Falar")

"Lembro como se fosse ontem, mas aconteceu há extaos vinte anos. Eu estava sozinha - não havia um único rosto conhecido a menos de um oceano de distância - sentada na beira de um lago. Fiquei um tempão olhando para a água, num recanto especialmente bonito. Foi então que bateu uma felicidade sem razão e sem tamanho. Deve ser o que chamam de plenitude. Não havia acontecido nada, eu apenas havia atingido uma conexão absoluta comigo mesma."
(Trecho incrível de "Emoção x Adrenalina" e aqui deixo uma resposta para a já querida escritora: sim, sei bem do que você está falando, de vez em quando, sem quê nem pra quê meu coração se enche desse sentimento de felicidade inexplicável.)

Na crônica "A Janela dos outros" a autora cita uma determinada história do livro "Os desafios da terapia" de Irvin Yalom, sobre os diferentes pontos de vista entre as pessoas e que nem sempre eles precisam nos afastar de quem amamos. Como ela diz ali, "a gente só tem olhos para o que mostra a nossa janela, nunca a janela do outro. O que a gente vê é o que vale, não importa que alguém bem perto esteja vendo algo diferente".
Essa história já chegou até mim por email. Não lembro se era a própria crônica da Martha Medeiros ou se era o trecho do livro de Irvin Yalom. O fato é que na vida temos tantas verdades, tantas janelas, que é nosso dever exercitar a capacidade de ver tudo por novos ângulos.

"A sua é de que tamanho? Difícil encontrar alguém que tenha uma solidão pequena, ajustada, do tipo baby look. Geralmente a solidão é larga, esgarçada, como uma camiseta que poderia vestir outros corpos além do nosso. E costuma ser com outros corpos que se tenta combatê-la, mas combatê-la por quê?"
Trecho de "Povoar a solidão". Saber viver com ela é uma arte. Depois que se descobre o verdadeiro valor da solidão ela pode nos ser tão proveitosa num mundo tão cheio de gente inútil. Ah....a solidão!

E a crônica que dá nome ao livro "Doidas e Santas" da qual não vou tirar nenhuma frase, nenhuma passagem ou comentário, porque essa merece ser guardada inteira! Ainda vou transcrevê-la aqui com tudo que penso sobre nós, mulheres.


Depois de ler o livro, vou atrás de:

- Nas Tuas Mãos, de Inês Pedrosa
- Biografia de Danusa Leão
- Estrela Solitária, filme de Wim Wenders, com roteiro de Sam Shepard
- Os desafios da Terapia, de Irvin Yalom
- Precisamos falar sobre o Kevin, de Lionel Shriver












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