quarta-feira

O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro (Ed. Cia das Letras)



Um trecho, entrecortado, de um momento emocionante do livro sobre a vida desse homem controverso, mas indiscutivelmente talentoso, Nelson Rodrigues.


"Duas horas depois, a peça chegou ao fim. Na fala final, Lúcia pediu: "O buquê". Caiu o pano. Silêncio total na platéia - e pânico em surdina nos bastidores durante uma aparente eternidade. Era para subir o pano? Ninguém sabia. Ziembinski esperava, respirando grosso. "Eles não gostaram!", sussurrou Stella para Evangelina. Mal acabou de dizer isso, ouviram palmas esparsas. Outras palmas se juntaram e, de repente, num crescendo, transformaram-se numa ovação, como se só então a platéia tivesse sido sacudida de um torpor. Era assustador. Ziembinski mandou subir o pano enquanto gritava palavrões em polonês. Os atores surgiram e o aplauso foi ensurdecedor. O elenco ia e vinha, e as palmas não paravam. Ziembinski também apareceu e o teatro delirou. (...)
(...) Depois de praticamente inventar o teatro brasileiro, o autor de "Vestido de Noiva" viu-se na Avenida Rio Branco, escura e deserta, caminhando feito um zumbi em direção à leiteria "Palmira", no largo da Carioca. Ele, sua mulher, sua cunhada Julieta e sua sogra foram comer o "jantar Avenida" da leiteria: bife, batata frita e dois ovos. O resto do elenco fora comemorar na chique sorveteria "A Brasileira", na Cinelândia.
E sabe por que Nelson não foi com os outros para "A Brasileira"? Porque não tinha dinheiro.
Não lhe faltaria, evidentemente, quem disputasse a primazia de pagar por ele. Mas, naquele momento, ainda não se dera conta de que, fechando o pano de "Vestido de Noiva", ele deixara de ser o miserável que se tornara desde a morte de Roberto.
A morte de Roberto. Quando Nelson pegou o bonde de volta para a praça da Bandeira, já eram quase duas da manhã de 29 de dezembro de 1943. Sem tirar nem pôr - nem um dia, nem uma hora, talvez nem um minuto -, completavam-se catorze anos que seu irmão morrera.
Como um eterno retorno, uma nova vida começava naquele exato momento."

segunda-feira

La piel que habito, 2011 de Pedro Almodóvar



Quando um diretor de cinema tem uma maneira peculiar de filmar, quando tem traços característicos demais na composição do seu filme como um todo, quando tem uma direção de arte arrojada, onde detectamos sua mão a quilômetros de distância, fica difícil de absorver quando ele resolve mudar tudo. Ou melhor, resolve mudar muito.
Almodóvar mudou muito. Ainda que o roteiro tenha tudo de Almodóvar, sim o roteiro é a cara dele, a linguagem mudou. A direção de arte tomou outro rumo. O que vemos na tela é clean, a não ser 'no mundo do brechó', vemos aquelas cores fortes, da alma espanhola bem almodovariana apenas nos detalhes. Nos quadros na parede da casa de Antonio Banderas, nos livros que lê, na fantasia de tigre (aliás aquele personagem é típico), são só pitadas de todo aquele visual over que tanto lhe é característico, e que tanto amamos por esses anos todos.
O roteiro? Almodóvar mais maduro, mas sempre Almodóvar. Uma reflexão sobre aonde podemos chegar com a ciência, e se o homem está preparado de fato para ela. Vale tudo para obter nossas respostas?
O sexo, sempre presente na mensagem subliminar dos filmes do diretor está bem mais despudorado. Os Édipos e Electras estão mais óbvios. Ele deixa para trás aquela abordagem dos tabus contidos, como se escancarar aquele sentimento fosse proibido. O drama tragi-cômico deu lugar para o suspense, mas do mesmo jeito, tensos, não conseguimos tirar os olhos da tela.
Acho que toda essa mudança dá uma nova perspectiva para o cinema do diretor. Bom ou ruim? Não sei, com certeza uma nova fase. De modo geral, saí do cinema me perguntando: será que daqui para frente ainda vamos conseguir bater o olho em um filme e poder afirmar, sem dúvida, que é um filme de Pedro Almodóvar?

sexta-feira

Casados com Paris, de Paula McLAin (Ed. Nova Fronteira)



Andei um tempo sem palavras para escrever sobre Casados com Paris. Tenho tanto fascínio pela Paris dos anos 20 depois que li Têt-a-Têt. Ultimamente, filme do Woody Allen, O que falta ao tempo, em seguida o incrível retrato dessa geração. Preciso ter novamente 20 anos, arrumar a mochila e ir estudar na Sorbonne!
Nesse livrinho danado de bom vivemos um pouco da vida da geração perdida. Vamos vendo se criar a relação de Ernest Hemingway com sua primeira mulher, a mais importante mulher da sua vida. Quem ele realmente amou e precisou ter do lado para conseguir existir como escritor, conseguir ser quem sonhava ser. Alí a gente vê o pobre homem buscando na mulher, a mãe para conseguir se erguer. Sabe aquele clichê de todos os clichês, de que por trás de um grande homem existe uma grande mulher? Também cabe.
Hadley deixou o escritor vir à tona, criou o homem no sentido maternal mesmo. Amou, cedeu, viveu em função do amor.  Mil Simones de Beauvoir não dão uma Hadley Richardson no que diz respeito à sucumbir ao talento e presença avassaladora de um homem com uma personalidade como a de Hemingway.
A geração dos anos 20, que se formou em volta daquela cidade boêmia, a famosa geração dos americanos perdidos em Paris no auge da efervescente literatura é sedutora. Conheci melhor o casal Zelda e Scott Fitzgerald aqui do que em sou próprio livro Alabama Song. Um casal completamente excêntrico, diga-se de passagem. Era uma turma de amigos interessantíssima, com papos intelectualmente excitantes. Enorme quantidade de bebida, cigarro, absinto, ópio, tudo o que o início de um século, vindo de uma guerra podia proporcionar. Cabeças pensantes querendo basicamente viver e se divertir.
Mas como tudo nessa vida é uma faca de dois gumes, quem tivesse um pouco mais de consciência moral, ou caretice como podia ser visto naquela época, sofria desesperadamente com as consequências daquele estilo de vida.
Hadley não pôde. Deu toda a estrutura emocional que seu marido precisava enquanto escrevia, mas não conseguiu acompanhar a avalanche que veio junto com todo aquele talento. Hemingway foi brilhante, apesar de difícil. Sim, um homem admirável, sedutor, e indomável! Em algum momento da vida, Ezra Pound pede, em outras palavras, para Hadley nunca tentar aprisionar o cavalo selvagem que era seu marido. Ela diz que gosta dele exatamente como ele é. Só depois de muitos anos ela entende o que o amigo estava querendo lhe dizer.
Não conhecia a história do escritor, foi difícil terminar o livro. Me vi chorando na madrugada silenciosa, completamente envolvida e chocada com as últimas páginas. Não que elas carregassem acontecimentos mirabolantes, mas pela sinceridade dilaceradora com que a autora pontua o destino dos seus personagens.
Mas como a própria Hadley diz, eles tiveram o melhor um do outro. Ela obteve o melhor daquele homem. O que viveram juntos com certeza transformou aquela mulher para o resto da vida.
O livro foi escrito depois de uma longa pesquisa de Paula McLain sobre a vida daquelas pessoas, bem como as cartas escritas pelo casal na época. Ela retrata o cenário da cidade luz com precisão, descrevendo a boemia parisiense, quem podia ser visto com frequência pelo Dôme ou pelo Rotonde, descreve o próprio Ernest se rendendo àqueles cafés tão popularesComo se vê, mais uma apaixonada pela geração perdida daquela Paris dos loucos anos 20.


Trechos da obra...

"Eu teria saído feliz da minha pele naquela noite e entrado na dele, porque eu acreditava que era aquele o significado do amor. Não tínhamos acabado de desfalecer um dentro do outro, até que não houvesse diferença entre nós?
A lição mais difícil do meu casamento foi descobrir a falha desse pensamento. Eu não conseguia alcançar todas as partes de Ernest, e ele não queria que eu o fizesse. Ele precisava de mim para se sentir seguro e apoiado, sim, da mesma maneira que eu precisava dele. Mas ele também gostava de poder desaparecer dentro do seu trabalho, longe de mim. E voltar quando quisesse." (pag 69)

"Ele tinha razão. Inúmeras vezes eu jurara nunca me atravessar diante do seu trabalho, sobretudo quando estávamos apenas começando, quando eu via a carreira dele como minha e acreditava ser meu papel ou até meu destino ajudá-lo a abrir caminho. Mas cada vez mais eu compreendia que não sabia o que realmente significavam aquelas promessas. Parte de mim o queria tão infeliz quanto eu. Talvez assim ele cedesse e ficasse." (pag 125)

"- Um conto - disse ele - para cada coisa que sei. Que sei de verdade, em meus ossos e minhas entranhas.
Quando ele falou isso, perguntei-me o que eu sabia de verdade, do jeito que ele queria dizer, e só consegui responder com Ernest e Bumby, nossa vida juntos. Era uma idéia vergonhosamente ultrapassada, eu sabia, e, se a tivesse confessado a qualquer mulher em qualquer café de Montparnasse, teria sido motivo de riso pelas ruas. Esperava-se que eu tivesse minhas própria idéias e ambições e que fosse inacreditavelmente sedenta de experiências e novidades de todo tipo. Mas eu não estava sedenta, estava satisfeita." (pag 188)

quinta-feira

O Palhaço, 2011 de Selton Melo



Sutil. Palavra que encontrei para descrever o novo filme do Selton Melo. Adoro os bastidores do mundo do circo, mas aquele circo mambembe, que perambula em busca de público, pra quem mostrar sua arte. E aí, por trás de todo aquele espetáculo existe a vida real, logo atrás da lona, a labuta desses artistas. Selton, o palhaço do circo, vive sem encontrar muita graça na vida que vive, não vê muito sentido em fazer todo mundo rir quando ele próprio vive triste, achando que precisa trazer o problema de todos nas costas. Foi preciso se afastar, desistir daquela vida. Quando foi embora se aceitou. E quando se aceitou, percebeu que os problemas da vida acabam se resolvendo de alguma forma.
Na época dos roteiros elaborados fica um espaço para o filme do Selton, falar de aceitação quando a sociedade está colocando a individualidade em extinção é um bom momento, os jovens saem da adolescência impregnados pelo sentimento de pertencer e assim permanecem, vivendo vidas de guetos, blocos, com pensamentos e atitudes relativas ao que convém a maioria. Um assunto para outra hora...
Voltando ao longa, a caracterização dos personagens está extremamente bem feita, uma luz sépia dá o tom da vegetação e poeira dos caminhos por onde andavam. Gosto muito das câmeras do novo cineasta. Inusitadas, detalhes para depois revelar o todo, planos gerais bem enquadrados, mas tudo sem muita afetação, servindo apenas para contar uma história.
E gosto mesmo do filme quando o palhaço se aceita, percebe que é bom viver de fazer os outros rirem, descobre o valor que tem ali e gosta do que vê. "O gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou palhaço". Sim, existem coisas que nascemos para fazer, queiramos nós ou não.

Meu País, 2011 de André Ristum



Gosto muito quando o cinema nacional se propões a fazer drama. Nos tira do estereótipo de cenários nordestinos e comédias globais e nos coloca num outro patamar. E isso tem acontecido com o tempo, viva!
Meu País mostra a vida de dois irmãos distantes virar de cabeça para baixo quando descobrem, logo após a morte do pai, vivido por Paulo José, que têm uma irmã doente mental e precisa ser reintegrada a família, ou seja precisam tirá-la da clínica para viver com eles.
É um filme muito sutil, não te dá respostas, deixa o espectador construir o passado e o futuro daqueles personagens tão diferentes, que carregam uma carga emocional tão grande.
Rodrigo Santoro e Cauã Reymond fazem os papéis dos dois irmãos, completamente diferentes entre si. Débora Falabella faz a irmã. Gosto da atuação dos três, o Brasil está investindo claramente na preparação de elenco dos seus filmes, o que resulta num trabalho de maior entrega dos atores e portanto melhor qualidade. Grandes desafios para Debora e Rodrigo, já Cauã faz, no geral, um papel mais parecido com o que já fez, mas responde muito bem nos momentos mais delicados, quando é preciso ser menos no cinema, quando se emociona, quando olha o irmão no olho para dizer obrigado.
Com uma atuação contida, Rodrigo Santoro arrasa, se supera e se entrega para um filme de olhares, expressões sutis e muito sentimento. Tenso, é como se ele fosse implodir a qualquer momento. É um personagem que carrega um passado sofrido pelo que percebemos, quando Tiago (Cauã) se rebela dizendo que são dois abandonadinhos do papai, um que foi para o colégio interno e a outra..., o filme não diz, sugere, te faz construir o que pode ter acontecido para aquela família ter se desestruturado tanto. E quando volta para o Brasil, Rodrigo sem querer, abra a caixa de Pandora. Amo a cena que, vendo numa câmera com os irmãos um video do pai pouco antes de morrer, ele se emociona, aquilo é muito para ele. Mas, transformador, naquele momento ele deixa de ser filho, se torna pai, de uma criança vindoura que nunca havia querido planejar.
Aliás a italiana que faz a mulher de Rodrigo é linda, suave. Num momento ela diz que admira muito o que ele está fazendo pela irmã, mas questiona o porque - de onde surgiu tamanha vontade de cuidar de alguém daquele jeito? É outra cena forte. Como ter fechado a porta na cara da menina Manuela quando precisava de espaço para chorar, elaborar tudo aquilo que estava vivendo junto do marido.
Por fim, não posso esquecer do olhar de Débora Falabella quando acorda na praia, depois da viagem de carro. Um olhar infantil, inocente, maravilhado. Ela conseguiu ir buscar lá na infância aquela sensação de deslumbramento, como uma criança descobrindo o mundo. Se as filmagens começaram pelas cenas externas, e o final foi gravado antes, como muitas vezes acontece, palmas para a atriz, digna de premiações.
É um filme emocionante, daqueles que precisamos ver mais de uma vez. Na primeira você concentra na história, na segunda você entende os porquês, olha melhor para os personagens, tenho certeza que na terceira ainda descobriremos coisas. Gostei de Meu País, gostei muito! Tenho certeza que vou guardar essas cenas na lembrança.

segunda-feira

Um Conto Chinês, 2011 de Sebastián Borensztein



O cinema clássico pede que os personagens fechem um ciclo durante a trama. É esperado que o personagem seja apresentado, se proponha o drama ou conflito e por fim, a resolução desse conflito. Sendo necessário que esse personagem passe por uma transformação, ou seja, comece de um jeito e termine mudado, com uma lição, um aprendizado, enfim, o personagem precisa crescer.
E assim fez Sebastián Borensztein, diretor de Um Conto Chinês que deve ser visto ontem, que pode ser um daqueles filmes que ficam em cartaz por longo períodos. Roberto, personagem de Ricardo Darín, é um homem solitário que vive cheio de manias, sem muitos amigos, colecionando fantasmas paternos e vendendo pregos e afins numa lojinha de Buenos Aires. Por forças do destino aparece na vida dele um chinês perdido que não fala uma palavra de espanhol. Ele agora precisa ajudar o pobre homem a achar um tal parente. Praguejando, odiando ter que dividir sua solidão com um intruso dentro de casa, vive dias de tormento tentando se comunicar com o inesperado hóspede e nos faz dar boas risadas.
Se você acredita em destino, que nada acontece por acaso esse filme parece mais precioso. É preciso que uma vaca caia na cabeça de uma noiva lá na China para que um homem que não consegue nem olhar para os lados lá em Buenos Aires consiga enxergar que a sua redenção está bem na sua frente, que por ser tão cheio de manias, tão carrancudo, tão preconceituoso, não consegue entender que a vida está dando pra ele uma chance de ser feliz. Vivemos muitas vezes tão obcecados com o cotidiano que esquecemos de dar importância aos sinais, aliás, muitas vezes nem os vemos. E o filme está aí, usou uma história tragicômica - surreal até, afinal onde vacas caem do céu? - para nos fazer refletir e falar exatamente sobre isso.
A tragetória dos personagens se cumpre, fecha-se um ciclo para cada um dos dois. Depois do encontro estão mudados, prontos para seguirem seus caminhos. Um foi importante para o outro naquele ponto, naquele momento, naqueles 93 minutos de filme.

O que falta ao tempo, de Ángela Becerra ( Ed. Suma de Letras)



O que falta ao tempo é o meu livro mais artístico e poético dos últimos tempos. Fazia tempo que não lia um romance com tanta poesia. Poesia na escrita, poesia na magia e mistério que ronda cada página desde o começo. É um livro que desperta os sentimentos, desde a emoção mais sublime, até a raiva da paixão impossível do pintor pela aluna. Em alguns momentos você odeia Cádiz, por sua postura arrogante, de pintor máximo de um estilo próprio, querendo evitar a paixão que sentia, e fazer dessa energia que vinha da sua paixão o estímulo para pintar seus quadros, enquanto está no auge de uma crise criativa. Em outros, você odeia Mazarine, pelo pouco amor próprio e a incapacidade de se deixar amar por quem deveria. As vezes você odeia tanto as atitudes de um, que chega a dizer que o livro é ruim, que os personagens são idiotas, depois você apaixona de novo. Não pára de ler.
A autora, Ángela Becerra é colombiana, o que me dá mais motivos para confirmar minha teoria de que escritores que falam o espanhol têm fogo nas entranhas. Pedro Juan Gutierrez, Carlos Ruiz Zafon, Mário Vargas Llosa e tantos outros têm alguma coisa de passional, escrevem histórias relevantes. Seus personagens têm dramas intensos, são complexos, bem construídos, devem povoar a vida dos seus autores durante o processo de escrita, e provavelmente vão fazer parte deles para sempre de tão vívidos. Como diz a própria Becerra - verdade e ficção se misturaram tanto nessa história que é até possível que, passeando pelas ruas de pedra do Quartier Latin num gelado dia parisiense, você se depare com uma linda jovem caminhando descalça e arrastando um longo casaco preto, enquanto centenas de espigas de lavanda florescem sob seus passos. Outra característica desses autores? sua literatura tem peculiaridades, como um cemitério de livros esquecidos, ou mulheres que guardam segredos inconfessáveis, uma menina que tem o hábito de andar descalça pelas ruas, o que faz esses romances ainda mais instigantes.
Aqui, são muitas histórias dentro de uma grande história, compreendemos o porque da relação desgastada do pintor e da famosa fotógrafa com quem se casou e teve um filho. Um casal que viveu o mundo das artes com corpo, mente e alma e agora precisam conviver com as colheitas das escolha que fizeram. O filho desse casamento é um psicanalista comprometido com o trabalho, que procurou na universidade e depois na profissão o entendimento para a falta dos seus pais na sua vida, e quer entender como a falta da mãe pôde interferir de alguma maneira nos seus relacionamentos com as mulheres.
Paralelamente a tudo isso, a autora vai buscar na Santa Inquisição, os motivos para o corpo de uma santa habitar misteriosamente a casa de Mazarine, pintora talentosa com um passado obscuro e intimamente ligada a uma seita antiga que reverencia a arte e vive em busca de sua mártir desaparecida, que viveu há séculos nas terras do Languedoc.
O final é lindo e emocionante!


Trechos...

"Em poucos minutos, as ruas ficaram imaculadas. As pessoas corriam para se proteger, os guarda-chuvas se abriam, mas ela caminhava tranquila, observando as marcas que seus pés descalços deixavam. O chão tinha se transformado em mais uma tela a ser pintada.
Depois de tanto andar descalça, seus pés não doíam mais. Não sentia nem frio nem calor, tinha se imunizado contra as intempéries. Chegou ao final da avenida, e a silhueta escura do seu pintor rompeu a paisagem de névoa.
Lá estava ele, sob o Arco do Triunfo. Solitário e impenetrável, com sua gabardine preta pintada de neve e suas mechas brancas despenteadas, soltando baforadas de fumaça que se misturavam à bruma. Examinando-a fixamente com seu olhar quente e seus desejos contidos." (pág.95)


"No princípio será maravilhoso: uma chama, a lenha seca que arde, as fagulhas saltando, as línguas de fogo dançando unidas, subindo, subindo...
Um grande incêndio queimando, arrasando tudo. E depois, com o passar dos anos, logo surge a rotina, a lenha molhada que não pega, as chamas que já não sobem, o calor que não aquece... Os gritos de prazer transformados em razões. - Mazarine o ouvia em silêncio. Tinha vontade de dizer que aquilo não ia passar, que a cada dia ela inventaria prazeres novos, mas sabia que ele não acreditaria. - E começaremos a trocar nossos corpos pela filosofia, os gemidos pelos discursos, os suspiros pelas notícias... Agora, posso sentir você estremecer como um pássaro quando meu pincel a toca. Percebo sua paixão, e ela gera em mim outra paixão, inconveniente, estranha... cheia de luxúria e remorsos, e essa paixão dá origem a imagens. A alma conectada ao pincel, o sexo ligado à tinta... brotando com toda a sua força. - Cádiz passou a mão pela cabeça de Mazarine, aproximou-se e beijou sua testa. - Isso, minha pequena, você não pode saber porque não viveu." (Pág 175)


"Tudo parecia tranquilo. As ruas alegres respiravam o hálito morno da tarde. Voltou a ver o céu radiante de luz, a sentir os dedos do sol acariciando sua pele cansada, a ouvir a gritaria das crianças correndo atrás dos pombos. Os casais, depois de um longo dia de trabalho, se abraçavam e caminhavam com calma, comentando suas lutas e vitórias; não havia grandes discursos; a felicidade não foi feita para os pensadores. Na simplicidade do cotidiano, via mais sorrisos do que nos intelectuais. A grande discussão estava em que filme ver, em que varanda descansar e onde ir jantar. Tudo transcorria sem contratempos." (Pág 265)


"Toda noite saía para jantar, (...) Palavras, palavras ocas, frivolidades, farsas, discursos isolados carentes de sintonia. Não havia conexão possível com nenhum deles, já que aquilo que Sara desejava reencontrar era a harmonia. Uma paisagem exterior que coincidisse com seu interior. Um encontro de idéias


"Sabe de uma coisa, Mademoiselle? Nós humanos, complicamos nossa vida para dar um sentido ao fato de estarmos aqui. Os que escrevem expressam seu eu mais  obscuro em seus escritos, pois buscam a redenção pela palavra. Os que pintam tentam expressar seus pensamentos e sentimentos mais ocultos, aquilo que não ousam dizer, através de formas e cores. Os que guardam segredos no fundo querem ser descobertos. Os que odeiam simplesmente precisam de amor. Os que não falam querem ser ouvidos. Os que gritam buscam desesperadamente encontrar seu silêncio. Somos muito complexos..." (Pág 294)



Aqui mais um ponto de vista sobre O que falta ao tempo... A autora do blog sente que o tempo nunca é suficiente para acompanhar a produção literária. Eu concordo com você Nanda, de fato não é!

terça-feira

Noites Urbanas e Alabama Song, como falar dos livros que não gostamos?




A vontade de falar sobre livros que me tiram o sossego de tanto que são bons é proporcional a falta de vontade de falar sobre livros que não me fizeram apaixonar. Dias atrás, conversando com a pessoa que logo vai se transformar de vez em um guru para mim, fui surpreendida pela opinião de que, contrariando meus ideais, tenho mais é que falar quando o livro não agrada. Exercitar a análise crítica e o pensamento analítico. Muito tem o que se dizer de um livro que não se gosta. Perguntei se ele também era o tipo de pessoa que não consegue abandonar um livro sem terminar, é bom ler até o fim, disse ele, assim posso saber se gostei de fato ou odiei de fato. É isso mesmo. Não sabia ainda muito bem porque, mas me custa um bocado deixar uma leitura de lado. E, aproveitando o momento, deixo registradas aqui duas obras lidas recentemente, mas não amadas; quem sabe alguém não tenha conseguido uma boa lição delas, coisa que não consegui tirar.
Noites Urbanas, o livro de contos de Daniel Piza começou bem, pensei que estava diante de mais um imperdível. O primeiro conto é inspirador, mas logo fui me identificando menos e menos. Exímio escritor, escreve sem rodeios, bem como eu gosto, mas faltou alma nas histórias, paixão na escrita. O título do livro sugere tantas possibilidades, tantas inspirações nas nossas noites urbanas. Achei o título mais poderoso que o conteúdo.
Outro livro que também tinha bons motivos para agradar muito é Alabama Song, a história do casal Scott  e Zelda Fitzgerald. A vida dela no Alabama no início do século passado e a mudança dos dois para Nova York dos anos 20 e 30, período em que grandes futuros nomes da literatura americana viviam a boemia insana de Paris. A famosa geração perdida.
Gilles Leroy narra tudo de um jeito meio sem pé nem cabeça. É como se, para falar de uma pessoa completamente pirada, impulsiva, talentosa, subjugada pelo talento do marido, como era Zelda, o autor precisasse de um estilo de escrita a altura. Uma pena porque era um universo tão rico, conviviam com pessoas tão incríveis, e a leitura é truncada, confusa, meio esquizofrênica.
De qualquer modo, em algumas ocasiões, acredito que quando não gostamos de um livro, é porque ainda não estamos preparados para eles. Se lermos um livro em dois momentos de vida distintos, são dois livros diferentes. Relermos um livro 20 anos depois, pode tirar toda a magia que tínhamos guardada sobre ele. Escolher o livro certo no momento certo é uma arte, um desafio. Esse blog também existe por isso, compartilhando leituras temos grandes chances de ter sempre um achado na mão.
Que assim seja!


quarta-feira

Para meu pai.


Há um tempo atrás, meu pai me escrevia cartas. Era uma forma de me passar valores e reflexões que se fossem passadas no tét-a-tét poderiam soar imposições ou sermões de filhos que não estão entendendo onde querem chegar os pais, nada fora do normal quando se é jovem demais.
O fato é que essas cartas estão guardadas, além de fisicamente num lugar especial, estão no lugar mais precioso que poderiam estar, no meu coração.
Sempre muito emocionadas e emocionantes, meu pai sempre passou valores tão verdadeiros e tão fortes que impregnaram de alguma forma o ser que habito. Meu pai escreve bem, as vezes exagera no vocabulário pra lá de erudito, como quem lê dicionários, mas a mensagem é sempre bonita, essencial e, muitas me acompanharam por muito tempo e me ajudaram a me tornar quem sou.
Numa dessas cartas ele me escreveu um poema de Gibran Khalil Gibran que falava sobre filhos. Me lembro que essa carta veio pra mim por fax, enorme....linda...e o poema estava pelo meio. Hoje, mãe de uma criança feliz, sinto na pele muito do que ele dizia nas cartas, que por mais emocionada que ficasse, não entendia a profundidade de tudo aquilo.
Há poucas semanas, quando peguei um livro para ler, logo na primeira página lá estava ele, o poema que meu pai um dia me mandou por fax, e ele dizia assim:




"Seus filhos não são seus.

São filhos e filhas da vida e da ânsia de viver.

Vêm ao mundo através de você,

mas não são uma extensão do seu ser.

Estão com você, mas não lhe pertencem.

Podem receber o seu amor, mas não os seus

pensamentos, pois têm os seus próprios.

Você pode acolher seus corpos, mas não suas almas,

Pois elas habitam o amanhã; algo que você

não conhece sequer em sonhos.

Pode tentar ser como eles, mas jamais

fazê-los serem iguais a você.

Você é o arco e as crianças são as flechas

disparadas em todas as direções.

Pois seja flexível e deixe que o arqueiro as

arremesse diretamente para a felicidade."



O amor por um filho é tão grande que as vezes dói. Uma dor de amor maior, de querer bem acima de tudo, até de você. Achava bonito, diferente, mas não entendia quando meu pai dizia que nos amava, a mim e a meus irmão, no ponto de encontro entre duas setas. Hoje sei bem o que é isso.

terça-feira

A Minha Versão do Amor, 2010 (Barney's Version, de Richard J. Lewis)



A Minha Versão do Amor é mais um filme necessário na vida de todos nós. Se precisasse escolher, digo que mais necessário que todos os últimos vencedores de prêmios, que admiro demais, claro.
Explico.
Nesse longa, tão sensível, é possível relembrar como a vida é fugaz, como precisamos viver com todas as nossas forças cada dia, cada história que tivermos a chance de viver, esfrega na cara como a passagem do tempo é inexorável e a morte, injusta.
Quando assisto a um filme assim meu coração bate mais rápido, meus olhos se enchem de lágrimas em vários momentos, um sentimento de urgência aparece e, meio sem saber o que fazer fico paralisada, em silêncio por alguns momentos, esperando organizar todas as idéias para que possa enfim, comentar com quem estiver ao meu lado. Penso que se continuar vendo coisas belas assim por muitos anos, um dia meu coração vai fraquejar. E sempre, sempre lembro de agradecer, por ter a chance de continuar vendo cada uma delas.
Falando em roteiro, adaptado do livro homônimo (em Inglês) de Mordechai Richler, Barney Panofsky é um personagem ímpar. Politicamente incorreto para alguns, é um homem que sempre procurou viver seus momentos com toda a intensidade possível, mesmo que isso acabasse custando caro. Ele escolheu viver.
Se acreditava no talento de um amigo, bancava todo e qualquer projeto que esse por ventura criasse, quando se apaixonou por outra mulher no dia do seu próprio casamento, não se atreveu a continuar casado. Precisando estar inteiro em tudo, otimista ao extremo, ele precisava fazer suas escolhas, parafraseando Lavoura Arcaica, queria ser autor da sua própria história.
Por mais que tivesse uma vida boêmia durante os anos na Itália, soube construir uma vida decente tanto profissional quanto pessoal. Constrói uma família bonita e feliz. Ele se torna um bem sucedido produtor de televisão canadense e depois de dois casamentos curtíssimos, finalmente encontra o amor. E se algum homem amou uma mulher na vida, foi ele!
O humor irônico do personagem nos faz leve, e o fato de Paul Giamatti encarnar o papel faz tudo mais verossímil, já que colocar um galã gatíssimo tiraria o mérito de alguém como ele conquistar tanto. Sua atuação é excepcional, capaz de tamanha entrega o ator cria momentos mágicos, e quando contracena com Dustin Hoffman, quem faz seu pai no longa, queremos que o filme dure para sempre.
Como sempre procuro tirar o que há de bom em tudo o que leio ou vejo ou vivo, depois que a emoção passa, fica a lição. Ver a vida com olhos otimistas faz grandes milagres pelo espírito. Arrisco a dizer que pessoas otimistas tendem a ser mais sedutoras. Claro, alguém que acredita sempre que tudo pode dar certo, apesar de que, tudo também tem grandes chances de dar errado, alguém que ousa, vivem suas emoções sem medo, vira a página para as frustrações...esse alguém só pode conquistar tudo e a todos, porque sabe que pode ter o mundo aos seus pés, se quiser. E se por um acaso não tiver, é porque não ia lhe fazer tão bem assim.

quarta-feira

Precisamos nos misturar mais.

 
                                                                            (Mural de Carybé)


Li outro dia que se soubéssemos, de um modo geral, um pouco mais sobre psicanálise, muitos problemas sociais seriam solucionados. Achei fantástico!
É engraçado como as dinâmicas presentes em grupos de amigos se refazem quando esses amigos estão em novas companhias. Quando presente entre esses amigos há um novo alguém, que não faz parte do meio. As piadas ficam sem entendimento, ou parecem banais para quem mesmo as faz, porque tem um outro alguém que não o conhece, não o deixa a vontade para tanto.
Em contraponto, é incrível a capacidade do ser humano, ou melhor, de alguns seres humanos, de se moldarem a determinados ambientes, conversar com diversos tipos de pessoas, falar sobre os mais variados assuntos sem perder seu rebolado. É tão confortante você saber viver várias vidas possíveis em tantos momentos possíveis, com várias amizades, e nichos, e tribos distintas, desde aquela que você só ouve porque sabe que muito pode aprender dali, até aquelas onde você só vai falar coisas que nem no dia seguinte você repetiria.
Acontece também que muita gente precisa se esconder atrás do ser aceito, mas prefiro acreditar que todos devem ser aceitos, pelas suas diferenças, pelo que há de novidade para o outro. O interessante é o oposto de você, não? A necessidade do rótulo é algo muito penoso de conviver e está cada vez mais viva hoje em dia! A sensação é de que está cada vez mais difícil ser diferente, como se, de alguma forma a diferença fosse uma ameaça, enquanto que a maior riqueza que podemos cultivar é essa capacidade que o ser humano tem de ser diferente uns dos outros. Quando exercitamos o conviver com pessoas que não têm os mesmos valores, ou pontos de vista, ou as mesmas histórias de vida que nós, desde que elas nos acrescente algo de bom, que fique claro, é uma forma bem bonita de crescer, de enxergar outra realidade, tão interessante quanto a nossa, ou muitas vezes até mais interessantes que a nossa. Querer saber sobre o outro é o que nos faz crescer, o que nos faz admirar a vida e querer viver, não é assim?
Dar a primeira chance é o segredo, entender como o outro vê a vida é o caminho. Pertencer a algum lugar sempre foi uma necessidade humana, mas ser um estrangeiro dentro da sua própria vida, de vez em quando, nos dá uma ótima oportunidade... de se surpreender!

quinta-feira

Crianças Índigo, de Lee Carroll e Jan Tober



Esses dias encontrei uma pérola. Ela se chama Crianças Índigo. Trata-se de uma nova geração de crianças, que começaram a nascer efetivamente nos anos 80. Elas têm um novo padrão vibracional, são extremamente inteligentes, ligadas às novas tecnologias e com um lado altamente espiritualizado. Elas estão chegando para transformar a humanidade, elevando nosso grau de evolução tanto no âmbito social, como intelectual, comportamental, educacional e espiritual. Elas possuem estrutura cerebral diferente no que diz respeito ao uso de suas potencialidades. Essa geração de crianças é associada a geração Y, mas nem toda geração Y é considerada índigo. Esse nome é dado por causa da cor das suas auras e padrões de energia, que têm tons de azul-índigo.
Essas crianças foram e são ainda frequentemente diagnosticadas com DDA ou TDAH, que são transtornos de déficit de atenção e hiperatividade. Acabam tomando remédios, o que prejudica seu desenvolvimento espiritual.
Existe uma série de padrões no comportamento dessas crianças, como a dificuldade de receber ordens que para elas não fazem sentido, tem personalidade guerreira, têm um sentimento de "desejar estar aqui"e não entende quem não pensa assim, elas se sentem frustradas com sistemas ritualmente orientados e que não necessitam do pensamento criativo, normalmente encontram melhores maneiras de fazer as coisas, tanto em casa como na escola, o que as faz parecer questionadoras do sistema, o que na verdade são. Existem outros aspectos tão importante quanto esses para se descobrir índigo.
Esse livro foi um dos primeiros estudos publicados sobre essas crianças, hoje existe uma boa quantidade de artigos e livros sobre o assunto. É muito importante que tomemos consciência desse fenômeno para que possamos expandir nosso pensamento, nossa alma e poder educar essa nova geração que vem pela frente, o que efetivamente será um desafio. É um livro indicado aos pais, educadores, psicólogos e todos os que convivem com as crianças.
Aqui faço meu papel de deixar registrada essa necessidade de toda uma sociedade baseada em padrões obsoletos e que precisa de uma profunda evolução humana.



"Estamos atingindo um momento crucial de mudanças de paradigmas em termos de educação infantil. A maior parte das pessoas concorda que a questão de como educar e criar as crianças é uma das mais significativas preocupações no mundo de hoje. A educação exige uma nova visão para as crianças do século vinte e um: que ela transmita esperança e inspiração. Para estabelecer um estilo de pedagogia que sirva às necessidades da humanidade do novo milênio, é preciso compreender profundamente diversos aspectos da vida humana, principalmente das crianças que estão vindo ao mundo neste momento.
Os educadores têm de admitir que, do mesmo modo que exigimos a transformação da atual estrutura social, é necessária, também, uma modificação educacional.
É preciso observar a natureza humana sob um ângulo diferente para estabelecer um sistema de ensino eficaz. Temos de ser capazes de dar a nossos filhos e alunos o dom da disciplina interior e da paz.
Devemos observar com mais atenção o comportamento e a essência de nossas crianças durante seu crescimento para permitir que se desenvolvam como seres humanos completos. Os educadores do século vinte e um devem aprender a guiar e a orientar seus alunos para que obtenham equilíbrio, disciplina, responsabilidade e consciência."

terça-feira

Quase Tudo, memórias de Danuza Leão (Companhia das Letras)


Esse livro foi escrito em 2005 e me pergunto como demorei tantos anos para lê-lo? Nunca acompanhei a vida de Danuza Leão, nem suas crônicas na Folha de São Paulo ou no JB, onde escreveu por anos. Meu único contato com essa mulher incrível foi lendo seu best seller Na Sala com Danuza, há muitos anos atrás quando minha mãe, cansada de mandar eu minha irmã tirarmos os cotovelos da mesa enquanto comíamos, parar de mexer a perna sem parar na hora do almoço ou sentar em cima da mesa para conversar em vez de na cadeira, entregou na nossa mão aquele livro de etiquetas e obrigou a nós duas, ler até o fim. Eu li, e lembro que tinham muitas coisas engraçadas, sim, Danuza escreve com muito senso de humor. Desconfio que foi o que me fez terminar o livro, porque com 14 anos de idade ninguém quer ler livro de etiqueta, mesmo sendo leitora voraz, coisa que nessa época eu já era.
A biografia caiu na minha mão quando li há pouco o livro Doidas e Santas, de Martha Medeiros e lá na crônica Uma vida Interessante bastou apenas algumas palavras pra me despertar o interesse de saber tudo o que eu pudesse sobre aquela mulher. Martha, no seu texto, escrevia sobre mais valer uma vida interessante que feliz. Ter uma vida feliz significa o cumprimento das metas tradicionais, ou seja, um bom emprego, filhos, uma família estruturada. Em contraponto, uma vida interessante é uma vida intensa. Vida de pessoas que trocam de cidade, investem em projetos sem garantia, pedem demissão sem ter outro emprego em vista, aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram, começam do zero inúmeras vezes, sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor, compram passagens só de ida. E ainda pontua: para os rotuladores de plantão, um bando de inconsequentes. Uma crônica interessantíssima essa, Uma vida interessante.
Com um estilo característico, bem humorado, sem ordem cronológica, Danuza Leão vai contando sua história. Claro, ela faz parte da segunda turma, a que procurou uma vida interessante. Ela relembra sua infância, passando pelo casamento com Samuel Weiner, com quem teve seus filhos, que aí conheço mais pelo trabalho atual, Pink Weiner é uma artista plástica talentosa e a neta Rita Weiner, a estilista que todo mundo conhece, até o ano de 2005, quando dá o ponto final ao livro. Que aliás o faz de maneira intensa, forte, como é de seu temperamento. Confesso que lia e relia sem parar algumas frases, talvez querendo que ficassem gravadas na minha lembrança. Conseguia imaginar claramente essa mulher sentada num café em Paris, sozinha, brindando aos seus 72 anos com ainda muita coisa acontecendo em sua volta.



Trechos de Quase Tudo...

"Aos onze anos, me operei do apêndice e não quis que ninguém ficasse comigo no hospital; por incrível que pareça, consegui. Na manhã seguinte à cirurgia, minha mãe veio me ver; pedi a ela que comprasse um monte de revistinhas e fosse para casa. Minha mãe tentou argumentar, mas minha vontade era tão forte que ela não pôde fazer nada. Foi a primeira vez que fiquei sozinha por uns dias, e gostei tanto da experiência que ela depois passou a ser uma necessidade." (pág 17)

"Não sei ter relações meramente sociais: fico amiga ou não fico nada, e o tititi mundano está acima de minhas capacidades." (pág 22)

"Nessa época, no Brasil, as garotas dançavam o boogie-woogie mascavam chicletes e sonhavam com um bom casamento, se abastado, melhor. Eu sonhava com o existencialismo, com Sartre e Simone de Beauvoir, com Juliette Gréco fumando Gauloises, de col roulé preto e olhos pintadíssimos." (pág 30)

"Não sei se exagero, mas acho que a bossa nova levaria bem mais tempo para se firmar se não fosse a liberalidade de meus pais, que haviam se mudado para um grande apartamento na avenida Atlântica e eram os únicos a abrir a casa para uma garotada que se reunia todas as noites e varava madrugadas tocando violão e cantando. Nessas reuniões não rolava nenhuma espécie de bebida, e madrugada alta iam todos para a cozinha fazer um macarrão. Muitas vezes quando meu pai saía para trabalhar, eles ainda estavam lá, tocando e cantando. Minha mãe me contou que um dia acordou e tinha um piano na sala. Como o piano subiu, ninguém sabe, ninguém viu." (pág 80)

quinta-feira

Um Dia, de David Nicholls


A maioria dos livros que leio, quando acabo vem um sentimento estranho, uma espécie de solidão. Terminar um livro não deixa de ser uma despedida. Por milhares de motivos talvez nunca mais você o pegue para ler de novo, o que possivelmente é o caso de Um Dia. Esse foi um livro que demorei para engrenar, não entendi muito o motivo, mas talvez fosse o livro certo na hora errada. De qualquer forma é um bom livro. Nicholls conta a historia de duas pessoas ao longo de 20 anos, mostrando como andam suas vidas em 15 de Julho de cada ano. Encontros e desencontros se arrastam em alguns momentos, mas gostei do texto bem humorado, limpo, claro, bem como eu gosto. Emma é uma garota cult, meio intelectual, que faz teatro e gosta de escrever. Dexter é um playboy meio perdido que cai de paraquedas no mundo da televisão, fica famoso, gosta da fama, vive uma vida de noitadas, drogas e relações superficiais. Foram pessoas que estavam vivendo a mesma realidade durante a faculdade, quando se conheceram, mas a vida os faz seguir caminhos diferentes. Ainda assim insistem em não perder o vínculo. É aquela história romântica das pessoas que passam pela sua vida num determinado período, algumas realmente se vão depois que deixamos aquela fase, outras por mais que o destino te ponha a milhas e milhas, sempre vão estar perto do coração.
O final é surpreendente. Não costumo parar livros pela metade, em alguns momentos durante essa leitura outros livros me despertaram o interesse, mas segui em frente e valeu a pena, devorei o final numa tarde, quando decidi que essa leitura já tinha se estendido demais e precisava saber que fim teriam aqueles dois.
Esse livro vai virar filme, ou melhor, já virou, mas não chegou ainda no Brasil. Antes de começar a leitura, li a orelha, como sempre faço, e nela a editora teve a infeliz idéia de contar quem é a atriz que faz o papel de Emma Morley. Não pude construir o personagem na minha cabeça, o que é mais mágico num livro, e fiquei o tempo todo com a cara da atriz na minha frente. Se um dia for indicar esse livro para um amigo, já adianto - não leia a orelha se quiser construir a sua própria Emma, depois, no filme, veja se ela é como você imaginou!


Aqui vai mais uma opinião sobre UM DIA. Dessa vez é o site de Patricia Cálão, uma portuguesa com uma página bem bacana, que vale a visita!



Trechos de Um Dia..

"(...) Acho que você tem medo de ser feliz Emma. Parece que pensa que o caminho natural das coisas na sua vida e ser triste, sombria e macambúzia, e odiar seu emprego, odiar o lugar onde mora e não ter sucesso nem dinheiro (...) Na verdade vou mais longe: acho que você gosta de se sentir frustrada e ter menos do que queria ter, porque isso é mais fácil, não é? O fracasso e a infelicidade são mais fáceis, porque você pode fazer piada com isso. Está incomodada? Aposto que sim. Bem, estou só começando."

"As vezes pensa como seria bom ser despertada por um telefonema no meio da noite: "Pegue um táxi agora mesmo", ou "preciso encontrar com você". Mas na maior parte do tempo se sente como uma personagem de um romance de Muriel Spark - independente, aficionada por livros, inteligente e secretamente romântica. Aos vinte e sete anos, Emma Morley tem um diploma com duas menções honrosas, em inglês e em história, uma cama nova, um apartamento de dois cômodos em Earls Court, muitos bons amigos e uma pós-graduação em educação."

"Havia algo de não convincente e efêmero naquelas tentativas de construir um lar, como se fossem duas crianças montando uma cabana, e, apesar da pintura nova, dos quadros nas paredes, dos novos móveis, o apartamento mantinha a mesma atmosfera de coisa gasta e temporária."

"Na primeira noite, quando fecharam a porta da frente e abriram o champagnhe, Emma teve vontade de chorar. É normal demorar algum tempo até sentirmos que é a nossa casa, disse Ian ao abraçá-la na cama naquela noite, e ao menos eles tinham conseguido subir um primeiro degrau. Mas a ideia de subir as escadas juntos, degrau após degrau, ano após ano, a enchia de uma terrível tristeza. E o que haveria no topo?"

"O que aconteceu com as amigas? Eram engraçadas e gostavam de se divertir, eram gregárias e interessantes, mas cada vez mais noites são passadas como aquela, com casais pálidos, irritados e com olheiras em salas malcheirosas, conversando sobre o milagre de o bebê estar crescendo em vez de diminuindo. Já cansou de expressar a alegria ao ver um bebê engatinhar, como se isso fosse um desenvolvimento completamente inesperado. O que eles esperavam, que voasse?"

"Sente-se particularmente aborrecida com isso, seus amigos homens fazendo o papel de jovens papais: irritadiços porém de bom humor, exaustos porém modernos, com suas jaquetas militares e calças jeans, barriguinhas protuberantes e aquela expressão de contentamento ao jogar o júnior para o alto."

"Sim, eles ainda se divertiam juntos, embora agora fosse diferente. Todo aquele desejo ardente, a angústia e a paixão foram substituídos por um ritmo estável de prazer e satisfação, com alguns atritos ocasionais, mas parecia ser uma mudança para melhor. Talvez Emma já tivesse sido mais feliz em outros momentos da vida, mas nunca as coisas estiveram tão estáveis quanto agora."

"Por quê? O que você quer fazer? - ela perguntou, embora soubesse a resposta. Dexter colocou a mão no pescoço dela, ao mesmo tempo que Emma tocava de leve o quadril dele, e os dois se beijaram no meio da rua, rodeados de pessoas que corriam para casa sob os últimos raios do sol de verão, e foi o beijo mais doce que já tinham sentido."

Filhos de mães, porque eu?


Hoje fui almoçar com uma amiga que não via há anos. Ela é uma mulher madura, independente, que acabou de fazer 40 anos, se sente com 30 e cria uma filha com a preocupação de deixar um legado. Um legado cultural. Com um enorme conhecimento sobre artes plásticas ela procura despertar na filha um olhar diferenciado para o mundo, esse mundo tão mesmerizado que andamos vivendo. Onde diferenças parecem que não são mais bem vindas, é interessante  colocar o filho numa escola onde ele vai conviver apenas com semelhantes.  Ela tem a sábia compreensão de que essa pessoa vai crescer numa bolha até se tornar um adulto incapaz de abraçar tanta riqueza que há em conviver com mundos totalmente diferentes dos seus. E vai sofrer.
Quando a gente encontra alguém assim, depois de tanto tempo, muitos assuntos vêm a baila, educação dos filhos, trabalho, prazeres, viagens, amores e desamores. Dentre todos eles, o assunto intrigante daquelas horas alí com ela foi o tão famoso e misterioso complexo de Édipo. Essa relação tão forte entre mãe e filho, uma ligação tão profunda até visceral e uma dependência camuflada ao longo da vida por esse amor e aceitação que os filhos homens carregam por suas mães. De uma maneira idolatrada ou com uma animosidade secreta, que se traduz naqueles filhos que batem de frente, os homens sempre estão em busca da aceitação materna. Aprofundamos o assunto quando ela me falou de um conhecido que precisou perder a mãe para se libertar dela. Pra cortar o cordão umbilical e conseguir se apropriar do que verdadeiramente ele é. A minha amiga, muito religiosa, inclusive cita um trecho da Bíblia que em outras palavras quer dizer que o homem precisa, para conseguir construir um lar, deixar pra trás a casa dos seus pais e a partir daquele momento sua família passa a ser o núcleo que se forma. Conheço pessoas que depois que saíram de casa de verdade por um tempo, tiveram coragem pra se olhar no espelho e se descobrir, sem o olhar atento da mãe intimidando seu voo solo. Eu, como mãe de menino, procuro acreditar que as mães fazem esse tipo de desastre na vida dos seus meninos porque amam demais, sentem aquela ligação forte demais pra deixar seus pequenos homenzinhos voarem pra longe, para outros colos femininos. Mas depois de alguns anos de terapia e exercício do meu raciocínio, percebo que mães são responsáveis pela origem de todos os nossos problemas, digo todas aquelas nóias que criamos sem perceber e que só curamos quando saímos de casa, colocamos limites, deixamos pra traz o que não é  nosso, o que é dela, ou mais largamente o que é do pai e finalmente nos tornamos prontos pra voltar, dessa vez apenas para amar, se reencontrar na família de onde viemos, se divertir naquela dinâmica muitas vezes alucinante, pedir um colo e depois seguirmos vivendo no mundo, a nossas próprias vidas.
Meu filho ainda não tem dois anos, ainda vamos viver muitas histórias juntos, e o nosso amor pelo que percebi que acontece quando temos filhos, só tende a aumentar. Sei que no futuro, esse filho adulto vai ter seus devidos problemas comigo, mas a cada dia que vejo esse amor aumentando peço que cresça junto o discernimento, a maturidade, o sangue frio, seja lá o que vou precisar, para que eu não acorrente esse ser que tanto amo, que criei com tamanho amor. Que minha razão seja capaz de controlar meu coração para que esse homem consiga ser verdadeiramente livre e que possa voltar quando quiser e tiver saudades dos meus braços.

terça-feira

Melancolia, 2011 de Lars von Trier



Astronomia
As.tro.no.mi.a
sf (astro2+nomo3+ia1) Ciência que se ocupa da constituição e do movimento dos astros, suas posições relativas e as leis dos seus movimentos. A. esférica: ramo da Astronomia que trata principalmente de problemas relacionados à esfera celeste. A. física: a que estuda as condições físicas dos astros; o mesmo que mecânica celeste. A. matemática: a que trata do cálculo das forças que atuam sobre os astros. A.náutica: conhecimento da posição e movimento dos astros aplicado à navegação. A. sideral: parte da Astronomia que se ocupa das estrelas.


astrologia
as.tro.lo.gi.a
sf (astro2+logo2+ia1) Pretensa ciência de predizer o futuro pela influência dos astros. A. judiciária ou mundana: parte da astrologia que tem por fim predizer o futuro das nações e dos indivíduos. A. natural: parte da astrologia que prediz os fenômenos da Natureza, como mudança de tempo, secas, tempestades, vendavais etc. A astrologia teve muita voga entre babilônios, egípcios, gregos, romanos etc. e ainda na Europa medieval e moderna, até o século XVII, tendo ainda hoje muitos cultores.


(as definições foram tiradas ipsis litteris do dicionário Michaelis da língua portuguesa) 







Não é a toa que Cannes ficou entre "A árvore da vida" e "Melancolia" para vencedor da Palma de Ouro desse ano, os dois filmes têm alguma coisa em comum além de serem duas obras que se tornarão clássicos do cinema e que não tiveram seus títulos traduzidos para algum nome estapafúrdio como acontece por aqui. Tanto um quanto o outro nos diminuem, no sentido literal, como humanos, nos fazem pequenos diante do universo, um presente bem cabível para uma sociedade tão megalomaníaca que nos tornamos. Terrence Malick e Lars von Trier tentam nos mostrar o tamanho do mundo e quem sabe fazer chegar aos nosso ouvidos algo do tipo: menos, somos muito pequenos para tanto egocentrismo geral.
Melancolia é um filme sobre astronomia, chegando à ousadia da astrologia, quando nos obriga a ver que os astros influenciam nossas vidas, nossos ânimos, nossos encantos e desencantos. Nos livrando de preconceitos somos capazes de recordar, aceitar para alguns, entender para outros, que além de influenciar as marés, os bichos, as forças da natureza de um modo geral, os astros também podem e influenciam nossas forças humanas. Seria muita prepotência achar que somos tão evoluídos a ponto de sermos inertes a tais forças tão poderosas. Há quem insista em dizer que a personagem está deprimida porque sabe o que está prestes a acontecer. Para esses relutantes lembro que ela é bem enfática dizendo para a irmã que está em nervos - se você está pensando que estou com medo desse planeta idiota você deve ser muito burra! Portanto meus queridos céticos, é hora de acreditar que "há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia"e parar de achar que astrologia é apenas abrir os jornais e ler aquelas três linhas possivelmente inventadas, sobre o que vai acontecer no seu dia.
Para os que estão evitando os cinemas com medo do nome do filme, com medo de sair do cinema com a sua falsa eterna felicidade abalada, Melancolia é o nome do planeta que vai colidir com a Terra, e não o estado de espírito da personagem. O estado de Justine vai bem mais além da melancolia, a qual pode ser extremamente proveitosa para quem sabe o que fazer com ela, chega a beira da loucura com tamanha falta de força para viver.
Mas o mais bonito do filme, o mais mágico é a força que essa mulher tão deprimida encontra dentro dela para sair do seu mundo de sofrimento, que não deixa de ser um mundo focado em si mesmo portanto egocêntrico, e segurar a onda de uma família que está sucumbindo ao desespero. Dar esperança para uma criança apreensiva, acalmar seu coração, coisa que a própria mãe não consegue fazer. Quem tem coragem de chafurdar na depressão como ela fez, é a pessoa que vai ter coragem de sair dela quando precisam da sua mão, da sua força. É quem vai ter coragem de encarar a vida de frente, com todos os assombros de que estamos sujeitos.
O roteiro desse filme é excepcional! Enquanto "a árvore da vida" encontra uma historia simples para construir um filme poderoso, Lars von Trier encontra uma história meteórica para falar de sentimentos simples. E digo simples no sentindo de humanos, aviso desde já. As vezes precisamos aceitar nossas tristezas, nossa melancolia, para ressurgir delas mais fortes, mais vivos e preparados para a vida. Fazer de conta que somos eternamente felizes não nos faz mais fortes e capazes de viver bem, pelo contrário, só vive bem quem se conhece, e se conhecer inclui nos encontrarmos com nosso lado mais sombrio e obscuro.


Kirsten Dunst ganhou a Palma de Ouro em Cannes, 2011 interpretando Justine.

Mais algumas considerações sobre o filme:
A personagem da irmã dela, interpretada pela Charlotte Gainsburg me fez rir em algum momentos, mas aqui deixo registrado que é meu humor negro expressando sua vida, já que o desepero da mulher é verdadeiro. Na verdade ela chega a ser tragicômica, alguma coisa de histerismo.
A cena em câmera lenta de Justine andando "acorrentada" sugerindo a falta de forças para caminhar por conta da depressão é linda e super simbólica.
A câmera na mão do diretor é irritante, achei que não fosse conseguir chegar no final, mas ele se acalma no decorrer do filme. Ele não precisa de toda aquela tremedeira para dar sentimento ao filme, não mesmo!
A cada 73 mil anos Marte se aproxima da Terra, é um fenômeno corriqueiro do ponto de vista da astronomia. Mas enquanto via o filme, lembrava de uma história de pouco tempo atrás sobre duas luas no céu. Fui averiguar, claro, e de fato não estava sonhando. As pessoas estavam exagerando bastante, nunca seria possível ver duas luas no céu, mas em 2003 essa aproximação foi maior, o que oferecia uma oportunidade única de observação.




quinta-feira

A árvore da vida, 2011 de Terrence Malick


Tudo que se possa escrever sobre o novo filme de Terrence Malick jamais vai dar mensura para tamanha obra de arte. Tudo o que posso escrever ainda é pouco, ainda cabem muitas análises e interpretações. Sim, é um filme que nos faz sair mudos do cinema e com vontade de voltar e rever.
Idealizado por volta dos anos 70, o autor teve décadas a fio para internalizar o filme e o que vemos é uma extensão da sua própria voz, num limite tênue do que é auto biografia e ficção.
O filme me fez pensar em varias coisas. No início já nos questiona a fé. Uma mulher religiosa, que acredita em Deus piamente perde um filho e a partir daí se pergunta até que ponto esse deus existe e está olhando por nós. É uma família de classe média americana que vive nos anos 50, com um pai extremamente rígido que tenta passar valores de vida para seus filhos.
Malick usou imagens lindas e extremamente poéticas para contar toda a história, mas as imagens do início do universo, do início da vida e do planeta não costumam povoar as telas de cinema dessa maneira. Nos coloca, seres humanos, na nossa devida escala, somos nada, somos pequenos demais. Depois disso nos faz chorar escancarando os verdadeiros valores da vida, o que de fato é importante e que esquecemos, como as crianças brincando inocentes no jardim, o brilho do sol, o passeio de uma borboleta, nos fazem lembrar que somos mais uma parte de tudo aquilo que tínhamos acabado de assistir. É tão belo!
Num determinado momento o filme vai tomando outro rumo, e é quando percebo que é ali que o diretor conta sua história com o pai. Esse pai extrapola, vai percebendo que não conseguiu o que queria na vida, endureceu, perdeu a esperança; e a frustração fez com que exacerbasse nas cobranças daquelas crianças, querendo a todo custo que fossem adultos perfeitos, bem sucedidos e praticamente esquecendo todos aqueles valores tão simples com que foram criadas na infância mais remota. Ele passa do ponto. Depois sente remorso. É muito triste.
Todos se perguntam o tempo todo o sentido da vida; se algum deus existe porque coisas que nos fazem tanto sofrer acontecem? E se é tudo tão difícil e obscuro porque não começamos a procurar sentimentos menos efêmeros e começamos a dar importância para as coisas mais simples e duradouras da vida?
Uma relação entre pai e filho e as consequências dela na vida de um homem, "A árvore da vida" nos dá de presente muita coisa usando uma história simples. Isso é a prova de que é possível transformar histórias simples em filmes poderosos. Aliás começo a crer que filmes poderosos nascem justamente de histórias assim, que fazem parte do nosso cotidiano, que fazem parte da vida simples.


terça-feira

Doidas e Santas, de Martha Medeiros - L&PM Editores


Descobri o livro da Martha Medeiros muito sem querer, numa livraria que nunca costumo ir. Era tarde da noite, tinha saído de um restaurante e sabe quando fica aquela vontade de ainda dar uma volta? Enquanto meu marido saía em busca de "Os Pilares da Terra", esgotado na editora, nos sebos e no planeta, eu vagava sem rumo olhando as capas dos livros expostos alí.
De repente a pin-up da capa me chamou a atenção, quando li o título lembrei que já tinha ouvido falar nele e quando li um trecho de uma crônica nas costas do livro, aí decidi levar pra casa.
Leitura gostosa, rápida, dessas boas para levar na viagem, ler na sala de embarque e terminar quando chegamos no nosso destino.
Martha Medeiros me lembra Clarice Lispector escrevendo sobre coisas do cotidiano, assuntos e sentimentos triviais, desmistificando, escancarando, mostrando pra quem não quer ver e pra quem quer. São dos assuntos corriqueiros que ela cria suas crônicas. Da amiga geniosa, do filme que foi assistir e saiu estasiada, da educação dos filhos, dos livros marcantes, o que me renderam boas indicações, e de assuntos que ela concorda ou discorda. Tenho a impressão de que tudo nela pode virar texto, tudo é assunto pra trazer a tona. Escreve de um jeito honesto, com senso de humor, o que torna tudo mais gostoso.
Doidas e Santas é um livro leve, desses para ler entre atos, sabe como? Entre duas leituras poderosas, dessas que te deixam sem fôlego, tonta? Martha Medeiros te faz neutralizar a mente, abrir caminho para o próximo livro.


Alguns trechos comentados de algumas crônicas...

"A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal."
(Trecho do livro "Nas tuas mãos", de Inês Pedrosa que Martha cita na crônica "A separação como um ato de amor").

"... O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados.
Tão banal, não?
E no entanto essa banalidade é fomentadora das maiores carências, de traumas que nos aleijam, nos paralisam e nos afastam das pessoas que nos são mais caras. Por que a dificuldade de dizer para alguém o quanto ela é - ou foi - importante?" (Trecho de "Falar")

"Lembro como se fosse ontem, mas aconteceu há extaos vinte anos. Eu estava sozinha - não havia um único rosto conhecido a menos de um oceano de distância - sentada na beira de um lago. Fiquei um tempão olhando para a água, num recanto especialmente bonito. Foi então que bateu uma felicidade sem razão e sem tamanho. Deve ser o que chamam de plenitude. Não havia acontecido nada, eu apenas havia atingido uma conexão absoluta comigo mesma."
(Trecho incrível de "Emoção x Adrenalina" e aqui deixo uma resposta para a já querida escritora: sim, sei bem do que você está falando, de vez em quando, sem quê nem pra quê meu coração se enche desse sentimento de felicidade inexplicável.)

Na crônica "A Janela dos outros" a autora cita uma determinada história do livro "Os desafios da terapia" de Irvin Yalom, sobre os diferentes pontos de vista entre as pessoas e que nem sempre eles precisam nos afastar de quem amamos. Como ela diz ali, "a gente só tem olhos para o que mostra a nossa janela, nunca a janela do outro. O que a gente vê é o que vale, não importa que alguém bem perto esteja vendo algo diferente".
Essa história já chegou até mim por email. Não lembro se era a própria crônica da Martha Medeiros ou se era o trecho do livro de Irvin Yalom. O fato é que na vida temos tantas verdades, tantas janelas, que é nosso dever exercitar a capacidade de ver tudo por novos ângulos.

"A sua é de que tamanho? Difícil encontrar alguém que tenha uma solidão pequena, ajustada, do tipo baby look. Geralmente a solidão é larga, esgarçada, como uma camiseta que poderia vestir outros corpos além do nosso. E costuma ser com outros corpos que se tenta combatê-la, mas combatê-la por quê?"
Trecho de "Povoar a solidão". Saber viver com ela é uma arte. Depois que se descobre o verdadeiro valor da solidão ela pode nos ser tão proveitosa num mundo tão cheio de gente inútil. Ah....a solidão!

E a crônica que dá nome ao livro "Doidas e Santas" da qual não vou tirar nenhuma frase, nenhuma passagem ou comentário, porque essa merece ser guardada inteira! Ainda vou transcrevê-la aqui com tudo que penso sobre nós, mulheres.


Depois de ler o livro, vou atrás de:

- Nas Tuas Mãos, de Inês Pedrosa
- Biografia de Danusa Leão
- Estrela Solitária, filme de Wim Wenders, com roteiro de Sam Shepard
- Os desafios da Terapia, de Irvin Yalom
- Precisamos falar sobre o Kevin, de Lionel Shriver












sexta-feira

Liberdade, de Jonathan Franzen (Companhia das Letras)


Chega ao fim meu casamento com o livro de Jonathan Franzen, que segundo o The Guardian é o livro do século. Minha história com ele começou quando estava na minha característica garimpada de livros na livraria da vila, onde mais recentemente tenho ido ler todas as orelhas antes de decidir qual levo para casa, quando uma moça muito simpática que lá trabalha me perguntou se queria alguma indicação. Claro, sempre quero muitas dicas de coisas que me interessam! E aí ela me trouxe Liberdade. E quando eu estava indo embora, antes de me despedir ela me avisou - vai ficando cada vez melhor conforme você vai lendo.
E realmente vai. Não é um livro leve, apesar da linguagem coloquial, é um retrato nu e cru da sociedade norte-americana, e por consequencia nossa, já que absorvemos muito do que é americano. Mas o livro vai além, fala de sentimentos demasiadamente humanos, possíveis em qualquer família, em qualquer pessoa que não está apenas cumprindo cegamente um papel no mundo. 
A base é um triângulo amoroso que nasce nos anos 70 quando todos eram jovens demais e se desenvolve por uma vida inteira de personagens construídos com fantástica perspicácia e profundo perfil psicológico. Durante a leitura você ri, se angustia, se revolta, fecha o livro para tomar um banho e pensar sobre o assunto. Adolescentes crescem, namoram, saem de casa, casam, têm filhos, esses filhos crescem, saem de casa, namoram, casam e seus pais se perguntam se fizeram certo. Seus pais se questionam o que fizeram da vida. Seus pais se perguntam sem amaram as pessoas certas, se ainda dá tempo.
Como disse antes, esse é o pano de fundo pra questionar o verdadeiro sentido e valor da liberdade. Quando ela começa a ser nociva e como pode gerar a misantropia quando é desejada de maneira utópica e irracional, seja no seio da família, seja nas nossas próprias visões político-sociais.
Apesar de achar que "o livro do século" é uma hipérbole marqueteira do jornal do Reino Unido para atiçar os leitores, posso facilmente considerar Liberdade a melhor leitura dos últimos tempos.


Excelente análise do livro dá uma idéia melhor sobre o porque Jonathan Franzen é considerado um estilista na arte de escrever.


Trechos da obra...

"Àquela altura, ela acreditava que era por ser desprendida e ter espírito de equipe que os elogios pessoais diretos a deixavam tão encabulada. A autobiógrafa hoje acha que os elogios eram como uma bebida de que ela inconscientemente tinha a prudência de evitar uma gota que fosse, visto que sofria de uma sede infinita."

"Alguma coisa está errada comigo. Adoro todas as minhas outras amigas, mas sinto sempre que existe um muro entre mim e elas. Como se todas fossem um tipo de pessoa e eu fosse outro. Mais competitiva e egoísta. No fim das contas, menos boa. De algum modo eu sempre acabo me sentindo como se estivesse fingindo quando estou com elas. Com Eliza não preciso fingir nada. Posso ser simplesmente eu mesma e ainda assim ser melhor do que ela. Eu sei que ela é uma pessoa bem doida. Mas uma parte minha adora estar com ela."

"Ela começou a chorar por Walter. Tinham passado tão poucas noites separados em todos aqueles anos que ela nunca tinha a oportunidade de sentir saudades dele e gostar dele de longe da maneira como sentiu saudades e gostava dele de longe agora. Era o começo de uma confusão terrível no coração dela(...). E já àquela altura, às margens do Lago Sem Nome, (...), ela viu o problema com toda clareza. Tinha se apaixonado pelo único homem no mundo que gostava de Walter e queria protegê-lo, tanto quanto ela."

"Uma semana antes do dia marcado, ela retornou para o lago sozinha e se entregou inteiramente à sua perturbação mental, o que consistia em embriagar-se até cair toda noite, acordando mais tarde em pânico, tomada pelo remorso e pela indecisão, e depois dormindo até de manhã, e lendo romances num estado suspenso de falsa tranquilidade, depois se levantando de um salto e andando por uma hora ou mais de um lado para o outro nas proximidades do telefone, tentando decidir se ligava para Richard e lhe dizia que não viesse, e por fim abrindo uma garrafa para afastar-se daquilo tudo por algumas horas."

"O que ela devia ter feito àquela altura era procurar um emprego, retomar os estudos ou ir trabalhar como voluntária. Mas sempre parecia haver alguma coisa atrapalhando. Havia a possibilidade de que Joey se arrependesse e resolvesse voltar para casa durante o último ano da escola. Havia a casa e o jardim de que ela não cuidara durante todo seu ano de bebedeira e depressão. Havia a liberdade que valorizava tanto, de poder passar semanas a fio no lago Sem Nome sempre que lhe dava vontade. Havia uma liberdade mais geral que ela percebia que lhe fazia mal mas de que mesmo assim ela não conseguia abrir mão."

"E então ela começou a chorar torrencialmente, e ele se deitou ao lado dela. As brigas tinham se transformado no portal dos dois para o sexo, e eram quase a única maneira como o sexo ainda acontecia. Enquanto a chuva açoitava o céu e relampejava, ele tentava deixá-la cheia de amor próprio e desejo, tentava transmitir-lhe o quanto ele precisava que ela continuasse a ser a pessoa em que ele pudesse enterrar seu afeto. Nunca funcionava muito, mas ainda assim, quando acabavam, vinham alguns minutos em que ficavam deitados nos braços um do outro na majestade tranquila de seu duradouro casamento, abandonando-se na tristeza compartilhada e no perdão por tudo que tinham infligido um ao outro, e conseguiam descansar."

"A personalidade suscetível ao sonho de liberdade ilimitada é uma personalidade que também tende , quando o sonho desanda, à misantropia e à ira."
Essa frase especialmente é citada pelo autor quando ele está contando a história do avô de Walter, um imigrante sueco, que foi para os Estados Unidos em busca do seu sonho de liberdade e dá errado. É um dos momentos significativos no processo do autor de analisar o sentido e significado da liberdade.

"Lalitha, por sua vez, já estava muito ocupada selecionando centenas de novos candidatos a estagiários(...). O compromisso dela com o combate à superpopulação era tão prático e humanitário quanto o de Walter era abstrato e misantrópico, e uma medida do aprofundamento do amor que ele sentia por ela era o quanto a invejava e desejava ficar mais parecido com ela.

"Como uma nascente gelada no fundo de um lago de água mais quente, a antiga depressão devida aos genes suecos brotava por dentro de Walter: a sensação de que não merecia uma parceira como Lalitha, de não ter sido feito para uma vida de liberdade e heroísmo fora da lei; de precisar de uma situação contrária mais tediosa e persistente de insatisfação para nela forjar sua existência. E via que simplesmente cultivando esses sentimentos ele começava a criar uma nova situação de discórdia com Lalitha. E era melhor, pensou ele depressivamente, que ela ficasse sabendo desde logo como ele era na verdade."

"Dedicando tanto tempo a ouvir seu pai zombar de tudo embora a cada dia em voz mais fraca, ficou perturbada ao ver o quanto se parecia com ele, entendendo porque seus filhos não achavam tanta graça em seu senso de humor, e por que teria sido melhor ter se forçado a ver mais seus pais nos anos críticos de sua própria maternidade, a fim de entender melhor a maneira como seus filhos reagiam a ela. Seu sonho de criar uma vida nova, totalmente a partir do zero, independente de cabo a rabo, não passava de fato disto: um sonho."











terça-feira

Sonhos Roubados, de Sandra Werneck



O filme de Sandra Werneck, Sonhos Roubados, me fez refletir sobre a vida muitas vezes sem perspectiva de algumas garotas com poucas oportunidades na vida. São três garotas que sofrem pela vida desregrada, pela falta da orientação, pela falta de pais. Chegam no fundo do poço, cada uma na sua história e se deparam com a solidão presente na alma de quem se esgota, de quem chega ao próprio limite.
É um filme triste, vidas difíceis, mas tem esperança. Se você chega até o final ele não te faz ir dormir descrente da força interior que pode brotar do ser humano em momentos trágicos da vida. No fundo é uma história de superação e escolhas. O que podemos fazer quando vemos que precisamos definitivamente mudar a vida que vivemos? Temos escolhas?

quinta-feira

Cópia Fiel, 2010 (Copie Conforme, de Abbas Kiarostami)


Cópia Fiel quase passou sem que eu conseguisse ir assistir. Simplesmente adooro Juliette Binoche. A linda, suave e excelente atriz de Blue Velvet está incrível. Ela atua de maneira tão natural que chega a ser muita areia para um filme de qualquer diretor. Digo isso porque se o texto é fraco, se o roteiro nao tem nuances, detalhes, nao precisa de uma atriz como Juliette. Ela diz muito com apenas um olhar, uma expressão...Binoche já ultrapassou a técnica, a arte de atuar já faz parte dela.
O filme de Abbas Kiarostami é o complexo paralelo entre a análise de um crítico de arte do significado do original e da cópia de qualquer obra de arte - relativizando o que é ser original, nos obrigando a ver que a cópia fiel pode acabar se tronando original - e a relação entre um homem e uma mulher - onde você acaba se perdendo no decorrer do filme se aquele casal é de fato um casal ou estão interpretando a cópia fiel de um casal que está em crise.
Uma determinada cena me fez lembrar um plano da sequência do sonho de Morangos Silvestres de Ingmar Bergman, quando uma câmera chapada e estática descansa num paredão e o ator caminha no plano. Talvez Kiarostami tenha bebido da fértil e poderosa fonte do diretor sueco.
Com diálogos densos, extensos e profundos é um filme para ver e rever algumas vezes; daqueles filmes que sempre vão nos presentear com algum novo argumento, algum novo insight.


quarta-feira

Meia Noite em Paris, 2011 (Midnight in Paris, de Woddy Allen)


Quando Woody Allen quer falar sobre uma cidade ele realmente fala sobre a cidade. Meia noite em Paris começa com cantinhos da cidade luz que só um produtor de locação fora de série consegue localizar. Juntando com os ângulos e câmera de Allen, que são precisos e sem frescura, somos transportados para dentro de Paris com o olhar de um morador, com cantinhos típicos de quem parou para observar, de quem caminhou pela cidade a pé. Somado ao jazz no fundo, não precisava de nenhum letreiro para dizer que mais um filme do grande cineasta estava na telona.
Fui pro cinema sem ter idéia do roteiro. Raramente faço isso porque vasculho demais antes de deicidir o filme do dia, mas em se tratando de Woody Allen quis não saber do que se tratava.
Começa o filme, quando Gil (Owen Wilson) entra no cabaré e se depara com Zelda Fitzgerald soube que teria momentos de muita diversão durante os 60 minutos seguintes. Depois das risadas angustiadas de Vicky Cristina Barcelona fazia dois anos que não me esbaldava com um filme seu que fosse realmente hilário.
Tirando o fato que Allen é um cineasta que fica cada vez melhor conforme os anos vão passando, em Meia Noite ele usa toda aquela alegoria para tratar de um assunto tão familiar para os seres verdadeiramente nostálgicos. A insatisfação com a época que vivemos é um assunto clássico entre muitas rodas de amigos. Não vou dizer cem por cento mas grande parte das pessoas interessantes que tenho o prazer de ter do lado pelo menos alguma vez me disse que gostaria de ter vivido em alguma outra época que não a nossa. Faz parte do mistério glamuroso de se ver vivendo numa época mais romântica, ou mais intelectualizada ou mais rebelde que vaga no nosso coração. E os menos sonhadores sempre nos contam o que tinha de ruim na época e que hoje é completamente transformado. Aquela velha história - ah, os anos 70 deviam ter sido incríveis, com a contra cultura gritando alto, época de música engajada latente no Rio de Janeiro. Daí alguém logo vira para você e diz - você queria viver sem liberdade de expressão, em plena ditadura?
É assim, o mundo está mais ou menos dividido entre os sonhadores e os que catapultam nosso delírio e tentam nos trazer pra a realidade nua e crua.
Por isso amei tanto esse filme. O personagem é tão nostálgico que vive um absurdo! Eu sinceramente ia amar acordar no meio de Sartre, Beauvoir sua turma bem no início do existencialismo, naqueles cafés em Paris nos anos 20. Sim exatamente nessa época porque depois eles ficam chatos e politizados demais e aí eu preferiria pegar um carro antigo à meia noite e ir encontrar Cole Porter em algum lugar bem boêmio da época.
Vale deixar registrado que gostei muito da atuação do Owen Wilson, fazendo aquele ar meio neurótico dos personagens de Woody Allen, onde a gente sempre consegue enxergar o cineasta atuando, no jeito de andar, nas expressões e nos diálogos cheios de riqueza, escritos por quem o intelecto está num status acima da média.

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