quarta-feira

Era uma vez eu, Verônica - 2012, de Marcelo Gomes




Quando o filme começou com a cena de sexo, alguma coisa me dizia que aquilo não tinha razão de ser. Pura e simples intuição. Depois procurei deixar os julgamentos de lado e dar chance para os motivos aparecerem. Porque o sexo era um personagem tão importante naquele longa?
Passado um tempo percebemos que sim, ele era um personagem muito importante. Ele era a válvula de escape de Verônica, interpretada pela competente atriz Hermila Guedes. Aquela recém formada psiquiatra se viu em crise com a profissão e quanto mais essa crise se agravava, mais sua libido crescia, come ela mesma diz, fazendo com que usasse o sexo como um alívio para as angústias daqueles dias difíceis.
Até então estava perfeitamente cabível e minha implicância não se confirmava, meu pé atrás não fazia sentido.
O filme segue para o desfecho com uma sequência do carnaval de Pernanbuco, enquando Verônica esta tentando namorar Gustavo, personagem do talentosíssimo Joao Miaguel, e resolve curtir as festas ao lado dele. Não consegue. Logo está naquele clima bem estereotipado mas real do carnaval, beijando alguns homens até ir parar na praia, transando com algum deles.
A cena seguinte são as pazes que a personagem faz consigo mesma. Naquela cena, depois de toda a aguaceira da cara e contato consigo mesma resolve colocar um ponto final naquele sofrimento todo, admitindo estar cansada da angústia e prometendo para si mesma sonhar mais com a vida e se cobrar menos.
Tudo se fecha, você acha que a personagem resolveu seu conflito, vai aceitar que as angústias fazem parte da jornada e portanto resolveu o problema com o sexo, colocando-o não mais como uma válvula de escape e sim como a maneira de sentir e dar prazer. E de repente...
Ela desiste do namoro com o rapaz Gustavo e a cena final é a mesma que deu início ao filme - a idéia de sexo livre, sexo pelo sexo, com várias pessoas e com nenhuma. Ok, sem problemas ter uma opção de vida livre, claro. Mas o roteiro não se fecha. Então o sexo não pode ser encarado como um problema durante no filme. Quanto mais estou em crise, mais minha libido explode. O sexo desenfreado era produto da crise e não a resolução dos problemas da personagem. Ou seja, ela continua em crise?
A opção do sexo livre continua sendo um meio e não o entendimento de que aquela era uma opção lúcida e legítima de viver a vida.

O tema é muito, muito interessante. O universo particular de uma médica psiquiatra no início da profissão é um prato cheio para questões filosóficas e portanto um bom roteiro. A questão com o pai foi colocada de forma sutil, mas conseguimos sacar que aquela dificuldade de manter qualquer relação amorosa está completamente ligada à figura de príncipe encantado que ainda guarda daquele pai.
Também gosto do filme que se passa no nordeste, sem o estereotipado universo nordestino de sertão, aridez, cangaço e folia. Mostrando o dia-a-dia de pessoas comuns, que sofrem com a saúde pública e têm seus momentos de solidão como todo e qualquer um em qualquer lugar do mundo.




domingo

Gonzaga - de pai para filho, de Breno Silveira




Artistas incríveis e grandes sucessos a parte, o que vemos aqui é um emocionante acerto de contas entre pai e filho. Um eterno menino que de alguma forma precisa buscar a redenção num pai ausente, torto, que mesmo longe de ser um pai decente, o amava.
Como alguém da roça, criado no meio do sertão nordestino nos anos 30, pobre de tudo, poderia ser um pai num Rio de Janeiro boêmio, pré ditadura militar? Aquele homem não saberia criar aquele menino sozinho. Não que ele tenha feito certo, deixar uma criança que perdeu a mãe para outra pessoa criar é não ter dentro de si um pai. Se houve algum sofrimento durante todo o tempo em que esteve fora, o filme não explicitou. De qualquer forma não se pode pedir de alguém aquilo que ele simplesmente não tem para dar.
Conseguimos passar para os filhos aquilo que recebemos, o que nem sequer sabíamos que precisávamos e continuamos a viver sem saber que precisávamos e não tivemos dos nossos pais por diferentes motivos, nunca seremos capazes de consertar com os nossos filhos. Criar alguém de caráter é relativamente fácil, desde que sejamos pais íntegros e honestos, via de regra, serviremos de exemplo. Criar filhos emocionalmente saudáveis, que tenham recursos para lidar com a vida, aí sim, é o grande desafio humano.

Apesar da semelhança com Luiz Gonzaga não consegui me acostumar com Chambinho do acordeon, quem o interpreta a maior parte do filme. Destaque para Cláudio Jaborandi fazendo seu Januário e Júlio Andrade que faz um Gonzaguinha com uma carga dramática inquestionável.
As cinebiografias nacionais apesar da busca pelo grande público me parecem mais sinceras que as romantizações americanas. Apesar do grande apelo emocional não se vê muito pudor em retratar os fatos. A direção sem grandes novidades, nenhuma câmera mais ousada me chamou atenção.
No mais... derramei muitas lágrimas.



quinta-feira

Enquanto lia algumas receitas...




Demonstrações de cuidado com o outro me emocionam, me enchem de esperança no mundo. Não esse cuidar mecânico que se faz no dia a dia com o marido, os filhos, mas uma atenção daquelas que os amigos de verdade dão quando você tá com uma criança pequena indo visitá-los e eles te chamam mais cedo, deixam você a vontade com horários. Ou quando é seu aniversário e alguém te surpreende com um presente que te toca a alma. Ou quando sua irmã percebe que você não está bem e te oferece aquele colo antes de você pedir. Ou então quando você vai ficar doente e seu marido se encarrega de fazer uma sopinha bem quentinha e trazer no sofá enquanto você está esparramada tentando manter os olhos abertos as sete da noite.
A generosidade é uma das virtudes mais lindas que o ser humano pode praticar. Cada vez mais rara num mundo cada vez mais individualista, é preciso ter fé, acreditar que se você praticar a generosidade conscientemente você acaba se tornando uma pessoa de fato generosa. Aí quando percebemos o quanto é bom estar disponível para o outro experimentamos sensações de amor incondicional, como quando estamos correndo no cotidiano e sem querer, no carro, esperando o farol abrir, temos vontade de abraçar o mundo, ligar para os amigos e dizer o quanto os amamos, sorrir e olhar no olho de todos que cruzam nosso caminho, bem como naquela música Telegrama do Zeca Baleiro. E finalmente entender que quando damos amor, recebemos amor. Simples assim.


domingo

O Hamlet de Thiago Lacerda






Foi no dia do último capítulo da novela que arrebatou os brasileiros. As ruas desertas. Começamos a nos aproximar do teatro da PUC e as pessoas se aglomeravam. Era noite de estréia. Thiago Lacerda faria Hamlet.
Fico aflita pelo ator, me coloco no lugar dele, quando pela primeira vez vai levar ao palco uma peça de teatro. É tudo ou nada, é ali e agora, sem cortes, sem possibilidades de um novo take. Já tinha assistido há pouco ao Wagner Moura no papel, tinha gostado daquela adaptação contemporânea da peça, do figurino, que ainda continuo achando incrível, da ausência de coxia, com os atores em cena durante todo o espetáculo, funcionando tudo de maneira orgânica, fluida...
Foi inevitável a comparação.
E como a grande força da peça é o ator, gostei demais do que vi no Tuca. Surpresa, me admirei pela competência desse ator tão galã, que cansa tanto nas telas da televisão. No teatro ele se revela lindamente. Ele sabe exatamente o que fazer com todo aquele um metro e muitos de altura. Tem postura. Tem classe no palco. Logo estamos envolvidos pelo eterno dilema de Hamlet e pela tamanha falta de força do atormentado personagem.
Sim, com todos os possíveis caminhos de análises e concepções para a tragédia de Shakespeare, na direção de Ron Daniels, o foco é um príncipe frouxo, com uma personalidade fraca, que vive sob a sombra de um pai honrado e amado. É incapaz de enfrentar a vida e portanto usa a clássica farsa da loucura para forjar seus planos de vingança.
A montagem, por mais alternativa que seja, tem uma linearidade necessária para o entendimento do todo, ali se contou uma história, diferente de enfatizar demais a loucura e o tormento do garoto e não dar um sentido para o público, cumprindo o papel do teatro clássico.
Por último, usar o clown para dar humor às cenas irônicas e não engraçadas gerou um paradoxo. Me causou um estranhamento e talvez uma forçação de barra, como se o objetivo fosse chamar o público para uma boa risada, mas num texto trágico e irônico como esse? O riso vem da constatação da hipocrisia e não da comédia rasgada desse tipo de humor.

Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre





Estar preso em uma sala com pessoas te apontando regularmente todos os seus defeitos, te fazendo enxergar aspectos que você a todo custo tenta esconder, jogando luz nas sombras mais escuras realmente deve ser um infernao tão ruim ou maior que a idéia de inferno cristão.
Aqui, três pessoas são condenadas a conviver confinados entre qutro paredes, sem janelas onde só vêem um ao outro, com algumas visões da vida que se segue na Terra, tornando ainda mais profundas suas angústias interiores. Cada um têm o dedo do outro apontado para o rosto, que o desnuda e acusa sem qualquer sentimento de compaixão.
Com cada um fazendo o papel de espelho do outro, são obrigados a examirarem a conscieência, olharem para os defeitos e assumirem suas falhas de caráter e tudo de podre que escondiam até de si mesmos durante a vida.
A famosa frase de Sartre que diz - o inferno são os outros, é aqui, o cerne da questão da intimidade na convivência humana. Quando somos obrigados a conviver com a acusação eterna de quem somos, ou de quem fomos um dia e parecemos nunca ter a chance de ser vistos com olhos menos estreitos, mais abertos às transformações inexoráveis da vida.



quinta-feira

O bruxo, de Maria Adelaide Amaral




Algumas pessoas passam pela vida sem fazer grandes reflexões, outras procuram um sentido para tudo e rumam em busca de auto conhecimento.
O bruxo, de Maria Adelaide Amaral conta uma determinada época da história de uma mulher de cinquenta anos, que depois de vinte e cinco de casamento, filhos criados e estabilização profissional, está em busca de um amor que transcenda a sua concepção de amor, quer se apaixonar novamente e viver uma experiência sem culpa. Afinal, todas as paixões que viveu durante esse casamento foram carregadas de grande peso e angústia.
É chegado o momento do balanço, de fazer escolhas e descartar pessoas e situações que não agregam mais nada a ela. Depois de descobrir um problema de saúde e sentir a própria finitude, através do sofrimento Ana se renova, finalmente se separa do ex-marido, abre mão do amante e se desfaz de amigos que durante anos foram um peso carregado por gratidão.
Quando estamos fazendo de conta que estamos felizes e tudo caminha normalmente, vem o destino bater na nossa porta e passar uma rasteira para nos fazer reformular os pensamentos, mudar valores e recomeçar.


trechos...

"Eles se divertiam tanto, eram tão cúmplices, agora, que não se odiavam pelo gesto que não tinha sido feito, pela palavra que não era proferida. Eles se queriam tanto agora que não exigiam, que toleravam, que compreendiam, agora que não estavam mais apaixonados."

"Um dia, no curso do romance com o líder operário, Ana acordou para o fato de que era como as personagens de Clarice Lispector sobre as quais discorria em classe. Ela, que se julgava tão incomum, descobriu que afinal era igual às Anas comuns por meio de um fato trivial: a visão da janela de um quarto, onde havia uma manta posta ao sol. E, ao ser tocada pela imagem daquela manta vermelha, que contrastava com o armário branco ao fundo, a imagem confortável de um quarto, numa casa de tijolos que era o estereótipo de um lar, compreendeu por que tinha se casado com Pedro e também por que tão cedo não iria se separar."



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