quinta-feira

Hell, direção de Hector Babenco




Não sei como demorei tanto tempo para assistir Hell no teatro. E como demorei tanto para escrever sobre ela.
Quando vemos situações muito brutais, precisamos de tempo talvez.
Barbara Paz termina a peça visivelmente arrasada. Fui no final da temporada e imagino quão desgastada estaria a atriz depois de encarnar a personagem por tantas vezes.
Ela não traga, mas acende por volta de quarenta cigarros durante o espetáculo, fala com uma pressa que nos deixa sem entender muitas vezes o que ela está tentando dizer, como se tivesse cheirado tanta cocaína que nunca mais teria paz naquele corpo e naquele espírito, tão devastados.
Assim é sua personagem. Adaptada do livro de Lolitta Pille, que escreveu o livro em 2003 aos 21 anos, Hell é pseudônimo da autora. Ela nos conta a rotina de uma jovem aristocrata parisiense, viciada em álcool, drogas e compras de luxo. Enquanto isso vamos vendo a degradação de uma mulher vazia, sem capacidade de ter qualquer empatia com quem está ao seu redor, tamanha a individualidade.
Ela ama um homem. Esse homem é sua versão masculina, rico, com uma vida também vazia e fútil. São escravos de si mesmos e da condição por eles imposta. Se amam de verdade, mas são tão focados em si, são tantas máscaras que usam para sobreviver naquele mundo que criaram em volta, que não conseguem trocar nada. Nem sequer conseguem admitir para eles mesmo que estão apaixonados. Por puro medo de serem desprezados. Vivem no limite.
Pille escreveu o livros nas madrugadas que perambulava por Paris, enquanto vivia na pele os mesmos dramas da sua personagem. Na verdade não sabemos até onde é realidade ou ficção.
O final é chocante, não tem esperança. Acho que é o pior de tudo, a falta de esperança. Saímos do teatro sem condições de falar muito. Demorei alguns dias para me livrar daquele sentimento sombrio e poder falar de longe.
É uma enorme e visceral denúncia da hipocrisia de uma geração. É a constatação da realidade de muita gente, que tem a vida exatamente como a dela. Não foi a toa que a menina chocou a sociedade parisiense quando soltou a bomba nas livrarias. Ela tirou a máscara.



quarta-feira

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, 2012 - de Beto Brant e Renato Ciasca





O filme é de Camila Pitanga. Filme de atriz, já que ela arrasa na atuação, verdadeira, intensa, complexa. O que vemos na tela é uma atriz de várias nuances, que vai da menina inocente à mulher traumatizada, da sexy à louca em um único trabalho. Completamente abduzida pela personagem, Camila está incrível.
Adaptação do livro homônimo de Marçal Aquino, Eu Receberia... nos envolve, os planos sequência dão mais valor ainda às interpretações, que é, definitivamente, o ponto forte. Mas, como adaptar um livro para o cinema é talvez o maior desafio da sétima arte, sinto problema no roteiro. Ainda não li o livro, é claro que sempre terá mais detalhes, no longa faltou informação.
O foco foi o triângulo amoroso vivido por Lavínia (Camila Pitanga), mulher misteriosa, a quem vamos conhecendo aos poucos, Cauby (Gustavo Machado), um fotógrafo forasteiro que está morando na cidade e Ernani (Zé Carlos Machado), um líder e pastor evangélico que salvou Lavínia das drogas e da prostituição e se casou com a moça. O pano de fundo é o desmatamento da Amazônia numa cidade ribeirinha, onde a população luta para preservar suas terras e a natureza. E aqui chegam as perguntas: É essa luta que tira a vida do marido traído? Por ele se envolver demais em assuntos que não lhe dizem respeito? O colunista social trai o amigo por pressão dos malfeitores que querem Ernani menos engajado nos problemas sociais? Por que os dois índios fotografados no início do filme? Por que Lavínia diz para Cauby que tem medo do que pode acontecer se seu marido no fim das contas compreende e aparentemente perdoa sua traição?
É um triângulo onde quem destrói a vida de cada um são terceiros... que nada teriam contra a relação dos três. Se Brant quis passar a idéia de que em algumas cidades ainda se limpa a honra de maneira primitiva, não foi por aí. Faltou a ligação entre o triângulo amoroso e as mortes, o entorno.
Quero ver novamente, aliás preciso ver novamente. Gosto tanto das interpretações, as tomadas e direção de arte têm tanta qualidade que preciso achar um sentido para o longa. Esperei tanto por ele, quem sabe depois de uma noite de sono as idéias se organizem melhor?




terça-feira

De verdade, de Sándor Márai (Cia das Letras)




Cresci ouvindo a frase: "Toda história tem três versões, a minha, a sua e a verdadeira". E também já li um dia: "O professor só aparece quando o aluno está pronto". De verdade de Sándor Márai é a síntese dessas duas frases.
Trata-se de um casal que se separa e do motivo desse casamento não ter dado certo. Esse motivo é uma mulher por quem Péter sempre foi fascinado. Num café de Budapeste Ilonka conta para uma amiga porque acredita que seu casamento falhou, confessa seu amor por um homem a quem nunca teve acesso e todas as tentativas para conseguir chegar no coração dele.
Num segundo momento, esse homem conta para outro sua visão da vida, do casamento falido e dessa mulher, Judith. É nessa visão que o livro se torna brilhante. Nitidamente, Márai se coloca ali. É no ponto de vista do homem que ele faz o maior exame da própria consciência e descortina a burguesia como classe social. Fala da relação entre as classes sociais, desvenda a cabeça do pobre, do rico e consegue chegar no ponto de nos fazer entender onde começa a misantropia numa sociedade desigual. Onde as relações se corrompem. Como podemos ser extremamente mal interpretados quando o outro tem tantos recalques.
Por fim, conhecemos a razão de Judith. Essa mulher durante muitos anos foi empregada na casa dos pais dele. Mulher sofrida, mas que de alguma forma ficou amarga quando interpretou mal todo o acolhimento que teve na casa. O autor nos diz ali, naquelas páginas desprovidas de metáforas e eufemismos, que alguém que viveu na miséria, pode ser incapaz de receber, incapaz de aceitar um gesto de amor. É como se a miséria grudasse na alma, no intelecto. Deve ser uma luta entre querer amar e se sentir merecedor desse amor.
Há tempos não lia verdades. Sabe quando alguém senta na sua frente e diz tudo que pensa de você, das pessoas, da vida, e o que você ouve não é muito confortável?
O autor escreveu esse livro ao longo de quarenta anos. De verdade foi publicado em Budapeste no início dos anos 40. Judith e a fala final foi escrita em 1979. Dez anos depois o autor se suicidou em San Diego, na Califórnia.

O livro ainda conta com a visão de um outro confidente de Judith, já em NY. Mas a meu ver ainda é o universo de Judith, dentro da versão de Judith. Acredito que é o autor ainda querendo dar seu ponto de vista final sobre a sociedade do consumo, a superficialidade das pessoas que brota da avidez pelo dinheiro.

quarta-feira

Grata descoberta


: - )

Há meses atrás descobri as estatísticas do blog. Adoro a internet, mas não sou uma conhecedora das artimanhas e ferramentas da rede. Procurando entender como tudo isso funciona, descobri que além do Brasil, tenho leitores em países como Estados Unidos e Canadá, passando pela Rússia e Alemanha. Países onde nunca imaginei que pudessem estar acessando meus escritos como Ucrânia e Reino Unido também fazem parte dos leitores.
Conversando com amigos sobre a minha descoberta, um deles me sugeriu - escreve dando um alô para esses leitores. E apesar de ter gostado da novidade, demorei para escrever. Me perguntava se ainda conseguiria sabendo que agora todo mundo pode ler o que escrevo. Como se não soubesse que uma vez na rede, nada mais é privado, saber que de fato pessoas estão escutando o que você diz, te faz parar um pouco para pensar, antes de escrever, coisa que não me deixaria nada contente. Gosto e quero escrever livre. A ambiguidade do público e privado da internet talvez sempre será para mim uma faca de dois gumes.
Porque esse espaço começou como um lugar onde eu pudesse deixar registrados pensamentos sobre o mundo, sobre as coisas de que gosto, ao invés de escrever em qualquer folha em branco, espalhar papéis pela casa, e perdê-los pouco depois. Reuni-los aqui, organizou minhas idéias, posso voltar no tempo para saber como pensava há alguns anos atrás. E saber que do outro lado do mundo pessoas se identificam de alguma forma com o que escrevo me deixou muito feliz.

sexta-feira

Heleno, 2012 de Jose Henrique Fonseca




"Eu não sou um jogador de futebol, eu sou a vontade de jogar futebol, eu sou a gana!" Assim Heleno de Freitas se define. Se a intenção foi fazer um filme que angustia, José Henrique Fonseca acertou a dose. Rodrigo Santoro mais uma vez mostra que é um baita ator. Aquele rostinho lindo de galã que ele tem facilmente se transforma quando o personagem exige. E Heleno exigiu, muito. Porque esse homem teve a personalidade mais forte que já vi na vida, o gênio mais difícil de todos os homens.
A agressividade é uma característica positiva, nos torna realizadores. Pessoas muito pacatas tendem a ser submissas na sociedade, não saem muito do lugar e facilmente são pessoas nada ousadas. Mas além de tudo o rapaz era teimoso, e assim cavou a própria cova.
Ele se sentia incompreendido. Tenho a sensação que foi alguém que viveu e morreu incompreendido. Ninguém chegou no seu coração, provavelmente ele nunca deixou. Buscou a verdade das coisas, não admitia a hipocrisia e por isso quis arrancar as máscaras que as pessoas usam para conviver. Ódio brutal às personas. Entendo o rapaz.
Gostei da direção, segura. Santoro rouba as cenas. Fotografia linda do Rio de Janeiro dos anos 40. Figurino impecável. E em preto e branco, pontos para quem teve a idéia. E não, não acho que teve interferência de O Artista. Foi bola dentro e parabéns para o cinema nacional.



quinta-feira

As Neves do Kilimanjaro, 2011 - de Robert Guédiguian





As Neves do Kilimanjaro foi baseado no poema "Os Pobres" de Victor Hugo. Gostaria de escrevê-lo aqui. Morri de procurar o poema na internet, mas como a rede não costuma ser tão fértil para assuntos desse tipo, não consegui achar. Creio que se tivesse procurado os últimos escândalos nacionais estariam todos lá, nas primeiras páginas do Google.

Bem, o filme é lindo, fala da maior de todas as virtudes que é ter um coração puro, amar, fazer o bem. Fazer o bem quando ninguém está te olhando, ação desprovida de vaidade ou necessidade de reconhecimento.
Nos faz pensar também em como um acontecimento pode ter significados completamente diferentes para cada pessoa, despertando em cada uma sentimentos opostos, tantos pontos de vista tão cheios de razões em si.

Também é emocionante ver o casamento entre aqueles dois personagens. Casamento no sentido de serem cúmplices, companheiros. Se conhecerem ao ponto de saber que o outro vai concordar incondicionalmente com o que o parceiro está fazendo em segredo. Relações de verdade, que não costumam acontecer tão facilmente hoje em dia. Relações onde se enxerga quem está do seu lado, consegue dar para o outro o que ele precisa alguns segundos antes que ele peça. Coisas que hoje em dia são vistas como romantismo, mas que nas relações de verdade são a base para que o casal consiga existir como casal.

Filme para guardar no coração para os dias que precisamos de esperança.





segunda-feira

SHAME, 2012 de Steve McQueen





Até onde conseguimos esconder de nós mesmos nossos fantasmas? Escondido em Nova Iorque, um homem tenta levar a vida sem interferência externa, fechado num mundo impenetrável. Até reaparecer na sua casa, a irmã que ele tenta esquecer.
SHAME é um filme triste. Um tema nada recorrente. E nos faz pensar sobre a solidão de quem não tem coragem de aceitar seus problemas, suas limitações e traumas. Fugir sempre é a forma mais fácil.

Gosto muito da versão de Carey Mulligan cantando New York, New York. Tão solitária, desvenda a solidão do irmão. Duas almas em busca de redenção.






quinta-feira



Estou cansada dos politicamente corretos, pela falta de autenticidade,
cansada dos falsos amigos, pela perda de tempo que geram em nossas vidas,
cansada dos puxa-sacos, pela falta de autoestima,
cansada de gente burra, que nao fica calada em vez de dizer bobagens.

Ainda estou cansada de quem manipula os amigos, por que nao confia na sua própria capacidade de ser amigo,
cansada de quem não toma atitudes, porque tem medo de decidir,
cansada de quem tanto fala dos outros e não consegue olhar pra si mesmo.

As pessoas estão parando de falar o que pensam porque não tem coragem,
e muito porque não pensam,
ficou mais fácil parar de pensar hoje em dia.





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