terça-feira

De verdade, de Sándor Márai (Cia das Letras)




Cresci ouvindo a frase: "Toda história tem três versões, a minha, a sua e a verdadeira". E também já li um dia: "O professor só aparece quando o aluno está pronto". De verdade de Sándor Márai é a síntese dessas duas frases.
Trata-se de um casal que se separa e do motivo desse casamento não ter dado certo. Esse motivo é uma mulher por quem Péter sempre foi fascinado. Num café de Budapeste Ilonka conta para uma amiga porque acredita que seu casamento falhou, confessa seu amor por um homem a quem nunca teve acesso e todas as tentativas para conseguir chegar no coração dele.
Num segundo momento, esse homem conta para outro sua visão da vida, do casamento falido e dessa mulher, Judith. É nessa visão que o livro se torna brilhante. Nitidamente, Márai se coloca ali. É no ponto de vista do homem que ele faz o maior exame da própria consciência e descortina a burguesia como classe social. Fala da relação entre as classes sociais, desvenda a cabeça do pobre, do rico e consegue chegar no ponto de nos fazer entender onde começa a misantropia numa sociedade desigual. Onde as relações se corrompem. Como podemos ser extremamente mal interpretados quando o outro tem tantos recalques.
Por fim, conhecemos a razão de Judith. Essa mulher durante muitos anos foi empregada na casa dos pais dele. Mulher sofrida, mas que de alguma forma ficou amarga quando interpretou mal todo o acolhimento que teve na casa. O autor nos diz ali, naquelas páginas desprovidas de metáforas e eufemismos, que alguém que viveu na miséria, pode ser incapaz de receber, incapaz de aceitar um gesto de amor. É como se a miséria grudasse na alma, no intelecto. Deve ser uma luta entre querer amar e se sentir merecedor desse amor.
Há tempos não lia verdades. Sabe quando alguém senta na sua frente e diz tudo que pensa de você, das pessoas, da vida, e o que você ouve não é muito confortável?
O autor escreveu esse livro ao longo de quarenta anos. De verdade foi publicado em Budapeste no início dos anos 40. Judith e a fala final foi escrita em 1979. Dez anos depois o autor se suicidou em San Diego, na Califórnia.

O livro ainda conta com a visão de um outro confidente de Judith, já em NY. Mas a meu ver ainda é o universo de Judith, dentro da versão de Judith. Acredito que é o autor ainda querendo dar seu ponto de vista final sobre a sociedade do consumo, a superficialidade das pessoas que brota da avidez pelo dinheiro.

3 comentários:

Cris Brandao disse...

Depois de quase um ano lendo mitologia/espiritualidade/antropologia (foi uma fase bem intensa: tenho que ler, conhecer, racionalizar para depois me soltar e sentir). É o meu processo, sete anos de análise não mudaram isso. Fazer o quê? O importante é que estou de volta e amanhã mesmo vou comprar esse livro. De qualquer forma também li livros tão interessantes! Compreendo melhor a nossa formação (brasileira) etnica,cultural e religiosa. Resgatei lembranças antigas vividas na Bahia, passei a gostar de Zeca Pagodinho e voltei a escutar Maria Betania. Temos muito o que conversar...

Cris Brandao disse...

Beijos

gio disse...

Amiga, to enfeitiçada pelo livro...bem que vc me avisou! beijo

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