quinta-feira

Um, nenhum e cem mil - de Luigi Pirandello




Moscarda é usurário na pequena cidade de Richieri na Itália. Um certo dia, conversando descompromissadamente com sua mulher Dida, descobre por ela que seu nariz caía levemente para a direita. Transtornado percebe que a imagem que sua mulher tem dele não condiz com a imagem que ele próprio tem de si. E fica louco.
O livro é uma eterna reflexão tragicômica da concepção que cada um tem de si mesmo, e que no fundo não adianta muito querer passar imagens o tempo todo porque fatalmente ninguém perceberá nada a não ser o que está querendo perceber. Somos produto da imaginação de cada um e como cada um é um, somos nenhum, ou somos cem mil.
Gengê, como o chama sua mulher, é produto da fabricação de Dida, ele próprio não se encontra naquela figura abobalhada. Vai para a rua perguntar aos conhecidos mais próximos como o vêem e decide desdenhosamente, decompor aquilo que era para eles.
"A ideia de que os outros viam em mim alguém que não era eu tal como eu me conhecia, alguém que só eles podiam conhecer olhando-me de fora, com olhos que não eram os meus e que me davam um aspecto fadado a ser sempre estranho a mim, mesmo estando em mim, essa ideia não me deu mais descanso".
Pirandello tem uma maneira deliciosa de escrever, reflete sobre nosso comportamento e nos faz rir ao mesmo tempo. Tem completo domínio sobre seu pensamento, só assim conseguiria escrever um romance como esse.
Nós nunca seremos para o outro o que achamos que somos na essência, nossos valores e ideias nunca chegarão ao outro tal como tantamos passar. Por mais que usemos as mesmas palavras e a mesma linguagem, o sentido está fora de nossas mãos, quem vai dá-lo é o outro. Que está fora de nós e portanto, diferente de nós. Nós só temos, enfim,  mais uma opinião sobre nós mesmos.


trechos guardados...

"- Como assim? O que você entendeu? Você não me disse isso e aquilo?
Isso e aquilo, perfeitamente. Mas o problema é que vocês, meus caros, nunca entendem; e eu nunca vou poder explicar-lhes como se traduz em mim aquilo que vocês me dizem. Sei que vocês não falaram turco, sei disso. Usamos, eu e vocês, a mesma língua, as mesmas palavras. Mas que culpa temos, eu e vocês, se as palavras em si são vazias? Vazias, meus caros. E vocês as preenchem com o seu sentido, ao dizê-las a mim; e eu, ao recebê-las, inevitavelmente as preencho com o meu sentido. Pensamos que nos entendemos, mas não nos entendemos de modo nenhum." (pag55)

"E quanto a mim, que nasci nela? Oh meu Deus! Mesmo que os cinco considerem que nesta casa, que é uma em cinco, tenha nascido no ano tal, mês tal, dia tal um imbecil, vocês acham que se trata do mesmo imbecil para todos? Para uns, serei um imbecil porque deixo que Quantorzo dirija o banco e que Firbo seja meu procurador legal, ou seja, pela mesma razão por que um outro me considera prudentíssimo, o qual, por sua vez, vê uma imbecilidade gritante no fato de eu passear todos os dias com a cadelinha da minha mulher, e assim por diante." (pag92)

"Mas, pensando bem, esse tipo de coisa é o melhor que se pode esperar das tantas realidades bizarras que os outros nos conferem. Superficialmente, costumamos chamá-las de falsas suposições, juízos errôneos, atribuições infundadas. Porém, tudo aquilo que se pode imaginar sobre nós é realmente possível, conquanto não sejam verdades para nós. E os outros nem se abalam, pouco se importando de são ou não verdades para nós: são verdades para eles. Tão verdadeiras que, muitas vezes, os outros chegam a nos convencer de que a verdade que eles nos atribuem é mais verdadeira que a sua própria realidade, caso vocês não se agarrem com força à realidade que vocês mesmos se deram por conta própria." (pag178)


Um comentário:

Unknown disse...

Olá, estou louca por esse livro mas não encontro em nenhum lugar. Você sabe de algum lugar que venda, ou alugue?

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