sexta-feira

Filhos do meu carnaval

Durante essa semana lenta, quando grande parte das pessoas anseiam por diversão, optamos felizes por remar contra a maré. Viver a cidade tranquila não é para qualquer um e principalmente a qualquer hora. São Paulo ferve, a todo instante, e poder ver suas ruas vazias é um grande privilégio.
Escolhi dois livros pequenos e rápidos para esses dias, uma leitura leve e descompromissada. A dramática e hilária Martha Medeiros, de quem já sou fã, e uma novidade que foi o escritor Alessandro Baricco.




De Barrico li "A paixão de A". Uma história bonita sobre a perda da inocência de quatro garotos, amigos adolescentes que vivem em Turin dos anos 70. Religiosos, tocam no coral da igreja, acreditam que vivem a vida correta, a exemplo de seus pais. Até surgir a garota que vai abalar as estruturas da turma e cada um, do seu jeito, vai viver a passagem para a vida adulta, enfrentando seus fantasmas, seus medos e descobrindo que aquela vida, vivida até então, não era nada comparada a vida real, quando nossos pais não podem mais exercer o papel de grandes protetores, porque já sabemos coisas demais. Eles vão perceber a relatividade das coisas, e que o certo e o errado, já não parecem mais fazer sentido.

Dois detalhes, me incomodaram um pouco, a escrita, construção do texto, será a tradução? Outro, é a sensação de que os garotos são muito novos para tamanha percepção da vida. O livro é narrado por um deles. Talvez um narrador onisciente causasse menos estranhamento.



"Temos uma confiança cega em nossos pais, o que vemos em casa é o correto e equilibrado andamento das coisas, o protocolo daquilo que consideramos uma sanidade mental. Adoramos nossos pais por isso - eles nos mantêm protegidos de qualquer anomalia. Assim, não existe a hipótese de que eles, em primeiro lugar, possam ser uma anomalia."

"Ele queria dizer que, na ausência de sentido, ainda assim o mundo acontece, e naquela acrobacia de existir sem coordenadas há uma beleza, até uma nobreza, às vezes, que nós não sabemos - como uma possibilidade de heroísmo na qual nunca pensamos, o heroísmo de uma verdade qualquer. Se reconhecer isso, com seus olhos, ao fitar o mundo, mesmo uma única vez, então está perdido - agora existe outra batalha, para você."





De Martha Medeiros li "Fora de Mim", em que ela conta de forma cômica, o trágico fim do relacionamento de sua personagem com um grande amor impossível.
A autora é debochada, o que torna o livro, que poderia ser um melodrama, extremamente gostoso e fácil de ler. É nossa eterna busca pelo amor, mesmo quando sabemos a quilômetros de distância que não devemos entrar de cabeça, fazemos até pose e sim, pulamos, de cabeça, é claro. De olhos bem fechados, para não ver onde tudo vai dar, ignorando aquele sexto sentido, vamos até o fim, viver cada uma das nossas histórias. Não somos assim?



"Você não me enganou, eu é que adorei enganar a mim mesma. Sem estar preparada para nenhuma espécie de emoção forte, de repente me vi enredada por uma minissérie de tevê daquelas que costumam ser escritas por um autor alternativo, histriônico, independente, do tipo que tem a pretensão de 'renovar a dramaturgia brasileira' e aposta no nonsense. Eu me deixei levar por tudo o que não era eu, ou deveria ter sido eu, porém uns trinta anos antes."

"Ainda assim, ela era linda de morrer. Os olhos combinavam com o nariz, que não destoava da boca, que se alinhava de forma sublime com o queixo. Tudo era de uma proporção que faria Michelangelo pedi-la em casamento. Mas faltava o charme da descompostura, o olhar verdadeiro de algumas noites maldormidas, (...), uma desordem que a personalizasse. Ainda assim, entendi sua atração por ela. Era um belo cartão-postal de mulher."

quinta-feira

Homenagem ao cinema no Oscar 2012




O ano de 2011 parece fértil para o cinema norte-americano. Depois de filmes medianos, sem muita expressão, vai viver a festa do Oscar 2012 com há muito não se via. O artista e Hugo, são dois concorrentes de deixar qualquer jurado numa sinuca de bico.
O artista é o clássico cinema mudo em preto e branco dos anos 20. É um filme de produção franco-americana, que presta grande homenagem a Hollywood, berço do cinema americano. O longa conta a história de George Valentin (Jean Dujardin), um astro do gênero enfrentando uma crise após a chegada do cinema falado. Orgulhoso, vê sua carreira desmoronar, acaba obsoleto e deprimido. Apaixonada pelo ator, a estrela do momento Peppy Miller ( Bérénice Bejo), tenta resgatá-lo do anonimato e trazê-lo de volta para o cinema.
O filme é pura nostalgia, apaixonante, o roteiro nos envolve completamente de tão bem amarrado. E Jean Dujardin, que concorre a melhor ator pelo filme, faz o papel divinamente, com ar sedutor, típico dos grandes galãs do cinema.
Em Hugo, apesar de não sairmos da sala tão arrebatados emocionalmente como em O artista, Scorsese faz uma apaixonada homenagem à História do cinema, trazendo George Meliés, figura fundamental na sua criação, como personagem do filme. Reproduz na telona imagens das primeiras películas dos irmãos Lumière e nos faz pensar na importância de preservar os grandes clássicos como documento histórico.
Os filmes de Michel Hazanavicius e Martin Scorsese foram os que receberam mais indicações ao prêmio do próximo dia 26, dez e onze respectivamente. Não por acaso são filmes que nos fazem refletir sobre o papel do cinema nos dias de hoje. Quem sabe não é uma inquietação que vem de uma vontade de fazer melhor, de uma indústria que sabe como ninguém fazer cinema, mas que precisava se reinventar?
O cinema estrangeiro, como europeu, iraniano, argentino, cinemas fora do contexto americano, crescem, com roteiros excepcionais ganham público e status. De alguma maneira vêm contribuindo para o cinema de modo geral, nivelando o público em outro nível, propondo o cinema como obra de arte e não apenas entretenimento barato. Espero que esse caminho não se perca, e essa onda criativa se renove pelo próximos anos.





terça-feira

Fogo - Diários não expurgados 1934-1937, Anais Nin (Ed LPM)



A impressão final ao ler os diários de Anais Nin é de estar diante de uma mulher rara. Mulher que nunca teve medo de olhar o mundo de frente, leal a si mesma e aos próprios sentimentos. Ousada para seu tempo e também para os dias de hoje no que diz respeito as relações de amor. Foi casada com um homem a quem amou, devotou um sentimento de gratidão eterna. Da maneira dela, foi leal a esse casamento. Era como se ali ela tivesse o pai, o Deus, o homem para quem ela pudesse sempre correr. Hugh Guiler foi seu verdadeiro porto seguro. Mais tarde, estando ainda casada com ele, casou-se com Rupert Pole e teve o casamento anulado por questões legais. Paixão de alma ela sentiu por Henry Miller, de quem foi amante por uma vida, e conviveu a maior parte do tempo. Passaram por crises, e nesses momentos ela encontrava novos amantes.
A vida comum era pouco para a autora dos diários, ela queria mais, queria viver apaixonada, sentindo a vida pulsar nas suas entranhas, nem que para isso ela mentisse compulsivamente. O que importava era que estava em busca 'de ser feliz', e não há mentiras injustas para quem busca ser feliz. Ela queria ser fiel aos seus sentimentos. Mentia porque não queria magoar quem amava, e só depois da morte do marido, os diários foram publicados na íntegra. 
Anais Nin buscou o amor incessantemente. Ela queria por a prova todas as nuances da sua personalidade e cada relação proporcionava seu contato com uma parte de si. Amante da psicanálise, procurou pessoas que a estimulassem intelectualmente e mantinha essas relações até esgotar toda aquela sede de se entender, de se libertar emocionalmente. Então voava para outras paragens, encontrava novas pessoas, estabelecia tantos contatos quanto sentisse necessário, para continuar apaixonada, para continuar achando graça na vida.
Fogo, o terceiro volume, relata o período de 1934 a 1937, quando ela vai para a América, tentando fugir do seu casamento e da relação com Miller. Se envolve com o psicanalista Otto Rank, discípulo de Freud, autor de O trauma do Nascimento. Mas logo, desiludida, volta para a Europa, onde vai se apaixonar perdidamente pelo peruano Gonzalo Moré.
Escrito no calor do momento, temos acesso as suas artimanhas, o que pensava por trás de cada mentira, suas tentativas desesperadas de não magoar quem amava, Fogo deve ser lido como uma confissão corajosa. Provavelmente nem seus analistas tiveram acesso aos seus mais profundos e sinceros pensamentos.












quarta-feira

O Castelo de Vidro, de Jeannette Walls (Ed. Nova Fronteira)




O Castelo de vidro é o primeiro dos dois livros autobiográficos de Jeannette Walls. Ele veio antes de Cavalos Partidos, que já está aqui no blog.
Castelo ficou emprestado por meses e hoje voltou para minha mão. Olhando para capa, li: Memórias de uma família que aprendeu a criar finais felizes.
"De alguma maneira essa história me emocionou profundamente", pensei. Para matar as saudades, reli alguns trechos marcados dentro do livro, que reescrevo a seguir....


"Eu fiquei imaginando se o fogo tinha tentado me pegar. Fiquei me perguntando se todos os fogos estavam ligados uns aos outros, como papai disse que as pessoas eram ligadas umas às outras, se o fogo que tinha me queimado quando eu cozinheis as salsichas estava, de alguma forma, relacionado ao fogo que apaguei com a descarga da privada e com o fogo que estava incendiando o hotel. Eu não tinha resposta para essas perguntas; o que eu sabia era que eu vivia em um mundo que, a qualquer momento, podia pegar fogo. Era o tipo de saber que deixava você de cabelo em pé."

"Depois do jantar, a família toda se deitava nos bancos ou no chão da estação para ler, com o dicionário no meio da sala, para que nós, as crianças, pudéssemos procurar as palavras desconhecidas. Às vezes, eu discutia com papai sobre uma definição, mas, se nós não concordássemos com o que os escritores do dicionários diziam, sentávamos e escrevíamos uma carta para os editores."

"Lori era a leitora mais obsessiva. Ela adorava histórias fantásticas e de ficção científica, (...). Ela tentou convencer a família toda a ler aqueles livros. "Eles te transportam a um mundo diferente", dizia.
Eu não queria ser transportada a um outro mundo. Os meus livros preferidos tratavam de pessoas que lidavam com as dificuldades da vida."

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