terça-feira

Quase Tudo, memórias de Danuza Leão (Companhia das Letras)


Esse livro foi escrito em 2005 e me pergunto como demorei tantos anos para lê-lo? Nunca acompanhei a vida de Danuza Leão, nem suas crônicas na Folha de São Paulo ou no JB, onde escreveu por anos. Meu único contato com essa mulher incrível foi lendo seu best seller Na Sala com Danuza, há muitos anos atrás quando minha mãe, cansada de mandar eu minha irmã tirarmos os cotovelos da mesa enquanto comíamos, parar de mexer a perna sem parar na hora do almoço ou sentar em cima da mesa para conversar em vez de na cadeira, entregou na nossa mão aquele livro de etiquetas e obrigou a nós duas, ler até o fim. Eu li, e lembro que tinham muitas coisas engraçadas, sim, Danuza escreve com muito senso de humor. Desconfio que foi o que me fez terminar o livro, porque com 14 anos de idade ninguém quer ler livro de etiqueta, mesmo sendo leitora voraz, coisa que nessa época eu já era.
A biografia caiu na minha mão quando li há pouco o livro Doidas e Santas, de Martha Medeiros e lá na crônica Uma vida Interessante bastou apenas algumas palavras pra me despertar o interesse de saber tudo o que eu pudesse sobre aquela mulher. Martha, no seu texto, escrevia sobre mais valer uma vida interessante que feliz. Ter uma vida feliz significa o cumprimento das metas tradicionais, ou seja, um bom emprego, filhos, uma família estruturada. Em contraponto, uma vida interessante é uma vida intensa. Vida de pessoas que trocam de cidade, investem em projetos sem garantia, pedem demissão sem ter outro emprego em vista, aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram, começam do zero inúmeras vezes, sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor, compram passagens só de ida. E ainda pontua: para os rotuladores de plantão, um bando de inconsequentes. Uma crônica interessantíssima essa, Uma vida interessante.
Com um estilo característico, bem humorado, sem ordem cronológica, Danuza Leão vai contando sua história. Claro, ela faz parte da segunda turma, a que procurou uma vida interessante. Ela relembra sua infância, passando pelo casamento com Samuel Weiner, com quem teve seus filhos, que aí conheço mais pelo trabalho atual, Pink Weiner é uma artista plástica talentosa e a neta Rita Weiner, a estilista que todo mundo conhece, até o ano de 2005, quando dá o ponto final ao livro. Que aliás o faz de maneira intensa, forte, como é de seu temperamento. Confesso que lia e relia sem parar algumas frases, talvez querendo que ficassem gravadas na minha lembrança. Conseguia imaginar claramente essa mulher sentada num café em Paris, sozinha, brindando aos seus 72 anos com ainda muita coisa acontecendo em sua volta.



Trechos de Quase Tudo...

"Aos onze anos, me operei do apêndice e não quis que ninguém ficasse comigo no hospital; por incrível que pareça, consegui. Na manhã seguinte à cirurgia, minha mãe veio me ver; pedi a ela que comprasse um monte de revistinhas e fosse para casa. Minha mãe tentou argumentar, mas minha vontade era tão forte que ela não pôde fazer nada. Foi a primeira vez que fiquei sozinha por uns dias, e gostei tanto da experiência que ela depois passou a ser uma necessidade." (pág 17)

"Não sei ter relações meramente sociais: fico amiga ou não fico nada, e o tititi mundano está acima de minhas capacidades." (pág 22)

"Nessa época, no Brasil, as garotas dançavam o boogie-woogie mascavam chicletes e sonhavam com um bom casamento, se abastado, melhor. Eu sonhava com o existencialismo, com Sartre e Simone de Beauvoir, com Juliette Gréco fumando Gauloises, de col roulé preto e olhos pintadíssimos." (pág 30)

"Não sei se exagero, mas acho que a bossa nova levaria bem mais tempo para se firmar se não fosse a liberalidade de meus pais, que haviam se mudado para um grande apartamento na avenida Atlântica e eram os únicos a abrir a casa para uma garotada que se reunia todas as noites e varava madrugadas tocando violão e cantando. Nessas reuniões não rolava nenhuma espécie de bebida, e madrugada alta iam todos para a cozinha fazer um macarrão. Muitas vezes quando meu pai saía para trabalhar, eles ainda estavam lá, tocando e cantando. Minha mãe me contou que um dia acordou e tinha um piano na sala. Como o piano subiu, ninguém sabe, ninguém viu." (pág 80)

3 comentários:

Cristiana disse...

Sabrina, já li esse livro há um tempo atrás! A Danusa é uma mulher incrível, ela escreve todo mês na Revista Cláudia sobre temas atuais ou não, mas, que sempre nos "diz" alguma coisa.

sabrina. disse...

Que vida ela teve, não?!?!

Marcelo Gomes disse...

Sensacional esse comentário! Adoro biografias. É uma maneira de filtrar o que há de mais intenso na vida de uma pessoa. O que mais marcou pra ela ou por ela foi marcado e conquistado. Sigo essas experiências como exemplos e dessa maneira, componho a minha maneira de enxergar a vida e as pessoas. Fiquei com vontade de ler essa tbém.

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