quarta-feira

Paraíso Perdido

ENTREVISTA COM CEES NOOTEBOOM
MESA DE NOOTEBOOM NA FLIP 2008
SITE ESPECIAL DA FLIP 2008


Cees Nooteboom é talvez o maior escritor holandês vivo. Foi um dos principais convidados dessa última Flip, onde fez sucesso junto ao público, numa conversa com o colombiano Fernando Vallejo. Sempre lembrado para o Nobel, ele chega ao Brasil com seu novo romance "Paraíso Perdido", o quarto publicado por aqui, país que ele conhece bem, de outros carnavais. O livro segue os passos de Alma, uma estudante paulistana de história da arte com gosto particular pela representação dos anjos. Um dia, sem motivo parente, vai à favela Paraisópolis, descrita, apesar do nome, como o inferno na terra, e seu carro enguiça. A descrição se justifica: Alma é estuprada por uma nuvem difusa de indivíduos. Obcecada por anjos, caiu nas garras de demônios. Perdeu seu paraíso. A epígrafe de Milton, utilizada no início do primeiro capítulo, em que Adão e Eva são postos para fora do Éden, ressoa como realidade nua e crua.Alma voa para a Austrália com sua amiga Almut, em busca de reencontrar seu paraíso. As duas são o oposto uma da outra: Alma é pequena, mignon e introvertida; Almut, por sua vez, parece-se com uma valquíria germânica, com peitos e altura enormes e um bom humor invencível. Alma se envolve com um aborígine, autor de pinturas fascinantes, enigmáticas. Mas que é também, por sua vez, enigmático, impenetrável, difícil. A amiga Almut, com seu pragmatismo, puxa Alma das mãos desse falso anjo para a terra. Depois de uma experiência como massagistas, ambas acabam aceitando um emprego curioso: num festival cultural, devem se fantasiar de anjos e espalhar-se pela cidade, colocando-se em pontos estratégicos, para que os turistas tentem encontrá-las. Quando isso acontece, devem suportar todo tipo de provocação em silêncio (talvez seja isso o que fazem os anjos, afinal: suportam nossa estupidez).Corte brusco para um avião. Estamos agora na segunda parte do livro, onde troca-se de personagem a seguir. No lugar de Alma entra Eric Zondag, um crítico literário famoso por destruir impiedosamente reputações de escritores. Ele (ou talvez o próprio autor, não fica claro) vê uma bela moça lendo um livro e, tentando adivinhar o título, acredita ser esse o livro, justamente o que nós leitores temos na mão. A metalinguagem, no entanto, é muito por conta do estilo ao mesmo tempo fluente e refinado de Nooteboom, onde nada é o que parece ser, mas tudo se encaixa, passa como se fosse algo simples, natural, e não um jogo intelectual.Um rabugento clássico, e também um alcoólatra, Zadong é convencido por Anja (mais um anjo), sua namorada saudável, 20 anos mais jovem, a internar-se numa clínica para se recuperar. A princípio contrariado, vê-se num ambiente asséptico, em que pouco é permitido e a frugalidade é a maior virtude - ou seja, uma caricatura do Paraíso eterno, tedioso.
Quando começa a aceitar as regras anódinas do lugar, sua massagista habitual é trocada. No lugar, reconhece as mãos de Alma, surpreendentemente fortes num corpo tão diminuto, sob as quais estremece. Três anos antes, ele a havia encontrado, vestida de anjo, naquele festival em Perth, na costa oeste da Austrália, para onde tinha ido convidado de um encontro literário (o festival existe de fato - Nooteboom esteve lá em 2000). E havia se apaixonado perdidamente por esse anjo (embora os anjos não tenham sexo, como reclama Almut). Do encontro inesperado, Nooteboom expõe sua filosofia peculiar (bem, expõe o tempo todo, sem prejuízo da fluência) e tira conclusões que se negam na mesma medida em que se afirmam, como as próprias ondas da vida.J. M. Coetzee (será coincidência que ambos tenham dois ee seguidos no nome?), o escritor sul-africano vencedor do Nobel, autor de "Desonra", entre outros, ficou bem impressionado com o livro, descrevendo a escrita de Nooteboom como "vertiginosa". O que de fato é, mas de modo a não perturbar o leitor. Ou melhor: "Paraíso Perdido" é um livro essencialmente perturbador, mas que provoca prazer. Segue as premissas de Italo Calvino: é curto e com vários capítulos. Em certo momento o Paraíso é descrito como o lugar onde não há mal-entendidos, não há desavença, não há discórdia, elementos essenciais à literatura. Portanto o livro de Nooteboom é uma defesa da narrativa. Ou uma visão, dentre as muitas possíveis, do próprio ofício literário.

# Texto de Daniel Benevides extraído do caderno diversão e arte do site http://www.uol.com.br/

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